Se quiser ser um escritor

O escrito vem do grito. 

Vinicius de Moraes, poeta brasileiro, dizia algo que a gente costuma repetir à exaustão: é melhor ser alegre que ser triste e a alegria é a melhor coisa que existe. E é. O sorriso no rosto e a mão pra cima cantando alguma música do Raça Negra no karaokê é o melhor programa que alguém pode ter num fim de dia (porque alegria e karaokê com Raça Negra são sinônimos, é claro). Mas não é daí que saem as poesias – só se você for a Adélia Prado.

Se, assim como eu, Deus não tiver te beneficiado com a graça de nascer Adélia, você também vai precisar de inspiração. E a inspiração, na maior parte das vezes, vem da dor. Porque – e de novo cito Vinicius -, porque “pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um samba, não…“.

Escrever é viver com o dedo na garganta, expelindo em palavras o que em si não cabe mais. Pode até sair uma flor. Isso foi escrito por Caio Fernando de Abreu, meu autor preferido. É preciso que se tenha autores preferidos que você pode até chegar a odiar, se quiser ser um escritor. Mas é preciso que se odeie do fundo da alma, pelas semelhanças, por expôr o mais íntimo da sua alma pra que todos possam ler ao ter na estante um livro que não custa trinta reais, mas vale seus trinta anos de vida. Há uns seis anos, escrevi um texto sobre o ódio gigantesco que sentia por Caio e seus escritos.

Era algo como “te odeio. odeio, porque você me vomita. porque tudo o que eu escondo de mim você jogou pra fora numas palavrinhas chulas e escrotas como “amor, perdão, facilidade, felicidade, vontade”. coisa boba. que eu falo mesmo, mas nunca explico, não expresso. palavrinhas que não passam de palavras e parece que você fez questão de dar significado pra cada uma delas. aí você deu significado pra mim e te odeio tanto. odeio tanto que dói e amargura, odeio tudo o que você fez e o que escreveu. odeio como mexe e como sinto que sou exatamente o que você escreve. essa balbúrdia e essa luta diária – tão diária quanto um copo de café – de permanecer vivo e feliz e só. e pra que mais, e o que mais? e o dia não termina, mas quando percebo já é terça-feira e, céus!, quem roubou o final de semana? o sábado, pra onde foi? ninguém nunca dorme, ninguém nunca descansa, tem sempre alguém com a luz apagada sofrendo na maior clareza. coisa louca essa de viver”.

Se quiser ser um escritor, você vai precisar aprender a se citar. O seu Eu de dez anos atrás tinha algo pra te dizer hoje. Você vai precisar continuar escrevendo por dez anos pra descobrir o quê. Para o meu Eu de daqui dez anos, um conselho: continue a escrever.

Escrever é ler com os dedos. Escrever é ler pra dentro. Se quiser ser um escritor, você vai precisar aprender a se ler. E no dia do escritor, quem comemora é quem habita do peito pra dentro. Do peito pra fora é o luxo. Charme.

 

Apagar-me 

diluir-me 

desmanchar-me 

até que depois 

de mim 

de nós 

de tudo 

não reste mais 

que o charme.

(Leminski)

A poesia da contradição escrevendo uma coletânea vitalícia de histórias que vivi e inventei.