Porque o bloqueio não é só um bloqueio

Quando sentei em um canto do sofá, hoje, com o meu caderno e lápis (sim, sou da velha guarda), para escrever a coluna da semana, deparei-me com o famigerado e assustadoramente imenso vazio. Sim, “deu branco”!

Já há algo de familiar nessa lacuna mental e na frustração que ela causa. Cada vez mais ficamos frente a frente com o tal do “bloqueio”: o escritor que precisa entregar um capítulo até o fim da semana, o publicitário que precisa produzir para a nova campanha, o fotógrafo montando portfólio, o artista plástico com suas telas em branco. A lista vai longe. Em suma: uma pedra no caminho de qualquer coisa que requeira criatividade. Essa bandida falta, e falta muito. E a gente se acostuma.

Mas não deveríamos.

Arrumamos desculpas para a dificuldade de colocar em exercício nossa mente criativa. O tempo que falta, a pressão que aperta, o trabalho que trazemos para casa, a faxina que precisa ser feita, o trânsito que demora, o sono que chega, a mente que esgota. Em meio a tantas possibilidades de se justificar o bloqueio criativo, deixamos de criar.

E o que torna tão difícil passar para o papel nossa criatividade nos dias de hoje? Talvez todos os fatores citados acima contribuam. Num mundo em que valoriza-se cada vez mais a praticidade e a lógica, e coloca-se as artes em um patamar secundário, ser criativo é quase nunca estimulado. Até mesmo os instrumentos culturais são incessantemente mercantilizados e produzidos com função de lucro. Assim, os indivíduos mergulham na vida caótica de priorizar o trabalho e o retorno financeiro, dedicando todas as suas horas diárias a essa rotina.

Não sobra espaço para sermos criativos. Cada vez mais torna-se difícil entrar em contato com nosso eu inovador, artístico, subjetivo. O bloqueio não é só um bloqueio: é um reflexo de tudo que a sociedade espera de nós.

Mas sabe de uma coisa? É de nossa natureza nadar contra a maré. E cá estamos, nadando. E continuemos!