O populismo, a Revolução dos Bichos e os Nichos que criamos

Eu presto atenção no que eles dizem
Mas eles não dizem nada
Toda forma de poder
é uma forma de morrer por nada 

 

Humberto Gessinger escreveu este trecho da música “Toda forma de Poder” nos anos 80. Ela foi lançada em 86, no disco “Longe Demais das Capitais”, mas poderia facilmente ter sido escrita no começo da semana passada.

E ela também poderia ter sido feita em 45, o ano em que acabou a Segunda Guerra e George Orwell lançou o seu “A Revolução dos Bichos”.

A data não é coincidência: o livro conta a história dos animais de uma fazenda que, cansados do atual governo da granja, lideram uma revolução contra os humanos exploradores que estão ali naquele momento.

O pensamento é aquele de sempre: vamos trabalhar por nós mesmos! Plantarmos para comermos! Juntos, somos mais fortes! Somos todos iguais.

A revolução acontece. Os humanos estão fora da fazenda. Viva!

No começo, tudo funciona bem: as leis são colocadas na parede e os porcos, julgados mais inteligentes, ensinam os animais a lerem para que eles possam compreendê-las. O que os porcos dizem é que os animais costumavam trabalhar para que os humanos comessem e, com isso, não poderiam lidar. Onde já se viu trabalhar para que os outros usufruam? Com a revolução, os porcos passaram a dizer que, agora, os animais trabalhavam para os animais comerem.

O estômago não estava mais cheio, mas os porcos diziam e os porcos são mais inteligentes.

O final dessa história todos nós sabemos.

Quando falamos de populismo, de Eu por Todos e de pluralidade, falamos de um poder inicialmente compartilhado. O poder da simpatia, do convencimento pelo consenso geral de superioridade intelectual, experiencial ou do âmbito que seja. O poder da persuasão é fundamental para que o regime populista atinja o mote de tudo: o coração do povo.

Assim, se constrói uma sociedade governada, geralmente, por alguém de bom grado que vai se perdendo com o poder que lhe é concedido.

No livro do Orwell, a Fazenda é um lugar maravilhoso e os porcos tem toda boa vontade do mundo.

Eles querem que os animais recebam comida igualmente, durmam em um bom local, façam amigos, descansem, engordem, procriem e vivam suas vidas.

Até que passam a ter noção do próprio poder. E do que se pode fazer quando se comercializa o que se cultiva. Do que se pode fazer com o lucro. Do que se pode fazer dando menos aos animais e guardando muito pra si.

Os animais começam a suspeitar. E criam-se os nichos. Discordam entre si. Perdem força. Somos muitos, mas somos poucos se não estamos juntos.

Os que estão contra os porcos, os que estão cegamente a favor dos porcos. Os que tentam provar, os que tentam pedir ajuda. Vão se juntando. Criando grupos. O separatismo toma conta da Fazenda e, progressivamente, os porcos vão reestruturando o sistema de opressão que os animais estavam inseridos quando trabalhavam para os homens. Mas, agora, estão sendo oprimidos pelos próprios amigos. Sendo assim, em quem podem confiar?

O perigo do regime populista é, justamente, colocar no palanque o discurso de igualdade. Igualdade são todos no mesmo nível. Se está em cima de uma cadeira, já existe hierarquia.

E, parafraseando George Orwell, com o tempo o populismo se torna o discurso de igualdade mais comum do mundo: “somos todos iguais, mas alguns de nós são mais iguais que os outros”.

A poesia da contradição escrevendo uma coletânea vitalícia de histórias que vivi e inventei.