A inquietação dos vinte e poucos

Emprego, amor ou investir em mim? Abro mão da minha felicidade por ela ou vou seguir o meu caminho, mesmo que isso me custe sua companhia? Faço hora extra ou tomo aquela cerveja com o meu primo? Ficar por aqui ou curtir a noite? Transar ou me guardar? É valor ou construção social? Mando mensagem ou deixo que me mandem? Respondo agora ou espero mais cinco minutinhos?

Cara, estar nos vinte e poucos em 2016 é uma bomba-relógio. Você precisa estar em algum grupo. Quer dizer: precisar ninguém precisa nada, mas a gente sente que precisa. E sente que precisa pra ontem.

A pressão é imensa. Ou você faz parte dos que trabalham demais e deveriam se cuidar um pouquinho (euzinha, 14 Horas por Dia Mello), ou você faz parte dos vagabundos que não querem nada com nada e bebem no mesmo barzinho de segunda a segunda (de certa forma, também entro aqui). Você não pode ser um cara que trabalha pra caramba e também gosta de tomar alguma coisa antes de ir pra casa (que é mais ou menos o que eu sou). Você não pode ser um cara que hora trabalha muito, hora curte muito e de um jeito ou de outro se adapta às situações da vida.

Ter vinte e poucos hoje em dia é viver na corda bamba pra tentar escolher um lado na política, nas relações, no caráter, na moral. Escolher entre fazer o que dá vontade e fazer o que é certo; escolher quem te dita o que é certo e quem só tá ali pra fazer peso contrário.

Estar nos vinte e poucos em 2016 é a corda bamba da necessidade de posicionamento definido e eterno pra tudo. Ou assume os cachos ou alisa pra ninguém saber. Ou você é batom vermelho ou é cara lavada. Hollister ou camiseta largada, lisa, sem estampa: você precisa escolher um lado.

Você é da tribo que vai ou fica? Você toma cerveja ou Askov? Você come orgânicos ou junk food? Faz academia ou assumiu o sobrepeso? Canta ou fica quietinho? Dança em público ou só bêbado? Vai pra igreja ou pra Augusta? Pra Augusta ou pra Roosevelt? Balada ou baixo augusta? Tex ou Pescador? Arranja briga ou deixa pra lá? Android ou iPhone?

Será mesmo que você precisa escolher?

Venho percebendo a notória ascensão das tribos que sabem de tudo. Tudo mesmo. Eles sabem o futuro do universo e sabem exatamente como tudo vai acontecer. É a tribo do “eles só falam asneira, nós temos razão”, da verdade absoluta e do “vocês vão ter que me engolir, não gostou, pede meu impeachment!”.

Pô, gente. Que bom que vocês têm encontrado identificação uns com os outros, mas vou contar um segredão: a vida não é bem assim.

Na realidade, a vida é bem mais pra quem tá no equilíbrio. Pra quem aceita a máxima de que a única coisa que importa é ser verdadeiro consigo mesmo e que, pra isso, só o que precisa é o autoconhecimento.

A vida se dá pra quem se deu, como dizia Vinicius de Moraes, e eu aprendi à duras penas que se entregar não adianta nada se a sua essência não for junto no pacote. Você precisa ser você. E a gente raramente se encaixa num lugar só.

Eu sou um monte de coisa. Eu bebo cerveja o tempo todo, consumo literatura das mais atuais (amei, adorei e achei tudo o livro novo da Fernanda Gentil, aliás!) até as mais clássicas com a mesma avidez. Gosto até de alguns youtubers, mas presto mais atenção nos filmes. Gosto de filmes dos mais variados tipos e ouço tanto MPB clássica quanto Delano. Fico em casa quando tô afim, mas quero ver me impedir de cantar alto e dançar até o chão.

A gente é uma mistura de um monte de coisa, sempre. Mas a gente só vai descobrir isso quando descobrir que, apesar de parecer que sim, essas nossas inquietações são só inquietações alheias enfiadas na nossa goela.

Nossa essência é o nosso corpo, a nossa alma e a nossa casa. Quem se identificar, vem junto. A nossa tribo é da galera que faz o que tá afim. A parte boa é que você só vai se quiser. Vamo?

A poesia da contradição escrevendo uma coletânea vitalícia de histórias que vivi e inventei.