Hoje eu não vou falar de amor

Eu não vou falar de amor. Falar de amor é uma merda. Falar de amor sempre rasga o peito e divide ao meio o sentimento bom que às vezes nem chega a ser. Hoje eu vou falar só da parte boa. Hoje eu vou falar do gosto do primeiro beijo, que beija com o corpo todo e, principalmente, com a ponta dos dedos que encosta na ponta dos dedos do outro. Mas só na ponta.

Hoje eu vou falar da sensação de sentar na mesa com alguém que é uma incógnita e levantar da mesma mesa com alguém que é um presente. O que eu quero falar hoje é da delícia de ouvir “você é linda!” de alguém que não tem a menor obrigação de te dizer nada sobre você, mas faz questão de expressar. Eu vou falar da porta aberta pro peito do outro que é caminho certeiro pra quem tem como destino o aconchego.

Hoje não é dia de falar de amor. Hoje é dia de falar do sentimento de frio na barriga da novidade, do conforto da certeza e da praticidade do acômodo do sofá dominical. Não tô aqui pra falar do amor que bate na aorta de Drummond, nem da ferida que, meu bem, às vezes sara amanhã e, às vezes, nunca sara.

Tô aqui pra falar da melancolia da saudade entre o encontro quatro e o sete, que costumam acontecer tão pertinho que se confundem entre si. Do sentimento bom de nunca saber quem foi que soltou um elogio espontâneo precipitado primeiro, mas jamais esquecer da cor da camisa ou de qual era a figura geométrica pendurada no brinco da primeira vez que vocês se viram.

Não precisa falar de amor quando a gente fala daquele bar que só tem graça quando do outro lado da mesa tem um beijo que você já sabe o gosto, mas insiste em provar. Nem tem porquê citar esse nome homérico, clássico e carregado de tantas histórias quando tudo o que aquece teu peito é a possibilidade de um abraço às 20h13 de uma terça-feira de tempo quente, mormacento e mal humorado.

Eu me recuso a falar de amor se pra falar de amor eu tiver que falar da dor que cada amante já passou por essas quatro letras. Eu me recuso!

Por isso, hoje, pra falar de amor, eu vou só falar de amor, porque Bukowski tinha razão quando disse que o amor é tudo o que nós dissemos que não era.

A poesia da contradição escrevendo uma coletânea vitalícia de histórias que vivi e inventei.