Salário, IA e contratos: Entenda motivos da greve de Hollywood

Imagem de Hollywood, que está em greve de atores e roteiristas
(Crédito: Imagem de David Mark por Pixabay)

Hollywood está em polvorosa. A maior greve dos últimos 60 anos uniu os sindicatos dos roteiristas e dos atores e promete mudar os rumos da indústria do cinema e da TV.

A paralisação terá reflexo nas próximas estreias do cinema, já que os atores estão proibidos de divulgarem os filmes, ou seja, nada de tapete vermelho e coletivas até segunda ordem; além de mudar a agenda das filmagens e lançamentos de 2023 e até 2024.

A manifestação já entrou no quarto mês. A primeira reunião entre o sindicato dos roteiristas americanos e os estúdios de Hollywood aconteceu na sexta (4). E terminou sem uma solução.

Mas afinal, o que está em jogo?

Os atores e os roteiristas, representados pelo SAG e WGA, respectivamente, querem melhores condições de trabalho e atualizar seus contratos. Afinal, é uma nova era na indústria, com as plataformas de streaming em evidência e o uso da inteligência artificial.

Vamos usar alguns exemplos a seguir, mas quero que tenha em mente, caro leitor, que não estamos falando de atores como Tom Cruise ou Margot Robbie. Esqueça os “famosos”, eles são exceção em Hollywood.

Um estudo mostrou que 87% dos atores em Los Angeles ganham menos de 26 mil dólares por ano. Dos 160 mil atores e atrizes do sindicato, 95% deles disseram ter mais de um emprego para poder complementar a renda. São deles que vamos falar a seguir.

Um reajuste vai bem

Os atores querem revisão dos ganhos nas plataformas como Netflix, Prime Video, Disney+ etc. Como prometi, vamos aos exemplos.

A atriz Kimiko Glenn, que esteve em 44 de 91 episódios de Orange is the News Black (série vista por mais de 100 milhões de assinantes, vencedora de prêmios importantes e que ajudou a consolidar a Netflix como grande streaming), postou um vídeo mostrando quanto ela ganhou em royalties com o show: 27,30 dólares. Em contrapartida, a previsão é que a Netflix fature, em 2023, cerca de 3 bilhões de dólares, ou seja, um valor irrisório pago à Kimiko.

Para ter uma ideia, apenas o vídeo que Kimiko postou no TikTok falando sobre o assunto teve mais de 5 milhões de visualizações, o que fez com que ela ganhasse 2.500 dólares.

Mandy Moore, uma atriz bem conhecida do meio, que fez sucesso recentemente em This is Us, contou que recebeu cheques nos valores de 1 a 87 centavos pelos direitos de royalties de streaming da série.

Kimiko Glenn em greve do sindicato dos atores em Hollywood
Kimiko Glenn em greve do sindicato dos atores em Hollywood (Foto: Reprodução/Instagram)

A guerra contra as máquinas

Outro ponto delicado é o uso da IA. Nas regras atuais, há quase nenhuma preocupação no uso da inteligência artificial, como direito de uso de imagem e precarização nas relações de trabalho. Vamos a um exemplo. O estúdio pode muito bem capturar vozes e imagens de atores em um dia de trabalho e dispensá-los para o resto das gravações, usando apenas um software para replicar a imagem deles, e economizar no pagamento de diárias. 

Um dia de filmagem para figurantes custa cerca de 200 dólares. Uma empresa de IA oferece um pouco mais do que isso: 300 dólares por duas horas de trabalho, para que o ator/atriz expresse diferentes emoções e improvise cenas, treinando o banco de dados. Acontece que esses 300 reais são pagos uma única vez e pronto. Com o arquivo do ator/atriz, não é preciso mais contar com ele ou ela. Nunca mais. Parece justo? 

Alguns astros já tomaram algumas decisões contra as inteligências artificiais

A cantora Madonna incluiu em seu testamento uma cláusula que impede o uso de hologramas e recriação de sua imagem por meio de inteligência artificial depois que ela morrer (vimos recentemente uma polêmica com o uso da imagem de Elis Regina em um comercial de carro). O ator Keanu Reeves assinou um contrato recentemente proibindo os estúdios de editarem suas imagens por meio de IA e deepfake. O astro da Marvel, Samuel L. Jackson, não assina contratos que usam sua imagem por tempo indeterminado.

O que pedem os roteiristas?

As demandas dos roteiristas são bem parecidas. Eles querem receber remunerações com ajustes diante da inflação, querem garantia de emprego por mais tempo enquanto trabalham em uma série e querem ter que escrever histórias sem se preocupar com a IA.  

Recentemente, o ator Alan Ruck, que interpretou Connor Roy em Succession, fez um teste e pediu para o ChatGPT escrever uma cena de uma peça em que está trabalhando. Para ele, o resultado foi horrível, cheio de clichês e ideias banais. Especialistas acreditam que a IA apenas vai entregar conteúdos repetidos, sem originalidade ou profundidade, mas será que os estúdios estão preocupados com isso ou preferem mesmo dispensar mão de obra humana e ter mais lucro?

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De que lado você está?

Depois do primeiro encontro entre estúdios e sindicato dos roteiristas, o sindicato afirmou que os executivos se recusaram a discutir pontos considerados importantes. Os engravatados realmente não parecem estar preocupados com os grevistas. Afinal, por causa da paralisação, eles podem ficar meses sem pagamento, e os estúdios já planejam aguardar que isso aconteça para tentar negociar um valor mais baixo com o desespero do próximo.

A estratégia seria esperar que os roteiristas, principalmente, perdessem ou estivessem perto de perder suas casas, pois assim seria mais fácil entrar em um consenso. Inclusive, fontes de Hollywood ouviram os chefões dizerem que isso era um “mal necessário”.

Bob Iger, CEO da Disney, que ganha quase 30 milhões de dólares por ano, disse que a demanda dos atores e roteiristas não são realistas e que elas teriam muito efeito na indústria.

Os Estados Unidos têm enfrentado um verão daqueles. As temperaturas passam dos 40 graus em algumas regiões. Contextualizando para você, leitor, perceber a gravidade do que vem a seguir. Muitos dos grevistas fazem piquete na frente dos grandes estúdios, com faixas, cartazes e gritos de ordem.

Na frente da Universal, não foi diferente. Acontece que lá existiam algumas árvores que davam sombra para os roteiristas e atores enfrentarem, além das empresas, o sol. E não é que a Universal mandou podar os galhos, tirando assim a proteção dos manifestantes. A empresa afirmou que a intenção nunca foi prejudicar os grevistas, mas sim evitar que os ventos derrubassem as árvores. Agora, compra a história quem quiser.

Não é preciso inteligência artificial para a gente ver quem é o verdadeiro vilão desse longo roteiro que ainda terá novos capítulos e reviravoltas.

Produções afetados pela greve

A lista é longa, mas vamos dar alguns nomes aqui:

  • Homem- Aranha: Além do Aranhaverso
  • Beetlejuice 2 (Os Fantasmas Se Divertem 2)
  • Blade
  • Bad Boys 4
  • Venom 3
  • Duna: Parte 2
  • Missão Impossível: Acerto de contas – Parte 2
  • Gladiador 2
  • Deadpool 3
  • Star Wars: New Jedi Order
  • Avengers: Kang Dinasty
  • Avatar 3
  • Aquaman e o Reino Perdido 
  • Stranger Things
  • The Handmaid’s Tale
  • Cobra Kai
  • Young Sheldon

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Breno Piero
Jornalista, roteirista, escritor e viajante do tempo. Sente constantemente a perturbação da força. É contra remakes, mas pode ser convencido do contrário lá no Insta @brenopiero.