OPINIÃO: Marvel se tornou vítima de sua própria arrogância

Peter Quill (Chris Pratt) grita de desespero em cena de Guardiões da Galáxia 3
Cena de Guardiões da Galáxia volume 3, surpresa positiva da Marvel em 2023

Entenda recorde negativo de bilheteria de As Marvels (2023) e como Casa das Ideias pode recuperar interesse do público pelo universo dos super-heróis.

Em 2023, a Marvel colocou seu público sentadinho em uma cadeira dentro de um carrinho supersônico de uma montanha-russa. Foram altos e baixos para deixar qualquer fã enjoado nesta viagem. As emoções foram da tristeza até a euforia muito rápido. Começamos o ano com o temido Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, tivemos uma grata surpresa com Guardiões da Galáxia 3, choramos ao ver o desperdiçado Invasão Secreta e voltamos a ficar animados com a segunda temporada de Loki. Já tontos dessa viagem desenfreada, chegamos a The Marvels.

Seu antecessor, Capitã Marvel (2019), não foi o maior sucesso de crítica, mas conseguiu bons números de bilheteria, arrecadando mais de US$ 1 bilhão em todo o mundo. No entanto, Capitã Marvel aterrissou no auge do UCM (Universo Cinematográfico Marvel), entre a definição da saga do infinito, com Vingadores: Guerra Infinita (2018) e Vingadores: Ultimato (2019).

The Marvels estreou em um momento de crise, e isso reflete na bilheteria.

No fim de semana de estreia, a aventura do trio Carol Danvers, Kamala Khan e Monica Rambeau teve uma péssima notícia, com apenas US$ 47 milhões (contra um robusto orçamento de cerca de US$ 200 milhões) e se tornou o pior lançamento da história do UCM, tirando o posto do fraco O Incrível Hulk, de 2008 (que fez pouco mais de US$ 55 milhões na abertura), época em que a Marvel ainda engatinhava na tela grande.

Entre alguns motivos que ainda citarei neste texto, um deles me incomoda mais que todos os outros, por se tratar de preconceito, acima de tudo. As histórias com protagonismo feminino têm enfrentado uma certa resistência do público, majoritariamente masculino e admirador de músculos e muita testosterona.

E aqui, faço questão de apenas deixar as aspas do grande mestre do terror, Stephen King, que detonou recentemente, no antigo Twitter (hoje conhecido como X), os fãs que comemoraram o mau desempenho do filme. “Parte da rejeição de As Marvels deve ser o ódio de fanboys ADOLESCENTES. Você sabe: “Eca! MENINAS!”. É isso. Já passou da hora dessa parcela parar de detestar as mulheres. Evolua. Faz bem.

Agora, para quem não se sentiu ofendido e consequentemente é uma cabeça pensante, o resto desse texto é para você.

Iman Vellani, Brie Larson e Teyonah Parris em cena de The Marvels
Iman Vellani, Brie Larson e Teyonah Parris em As Marvels (Foto: Marvel)

Então vamos voltar aos números.

Como fã da Marvel, terei que fazer algo agora que dói no fundo da minha alma. Comparar o lançamento de The Marvels com a maior bomba da DC, The Flash. O filme do velocista escarlate estreou em junho deste ano com US$ 55 milhões no primeiro fim de semana.

Mas todos esses números dizem menos sobre The Marvels e mais sobre a marca Marvel Studios.

A Casa das Ideias se tornou vítima de sua própria arrogância ao achar que qualquer produto com sua assinatura será abraçado pelo telespectador.

Com isso, passou a fazer filmes e séries a toque de caixa, sem o mínimo de respeito ou cuidado, e repetindo a mesma fórmula narrativa em quase todos eles, acreditando que ninguém notaria ou se importaria com isso, já que estava tendo a honra de consumir uma obra Marvel de (não) excelência. Mas, como falam por aí, o povo não é bobo. E tem rejeitado os filmes e séries feitos sem o mínimo de carinho, com toda a razão. É hora de a Marvel fazer uma autoanálise e voltar a focar em qualidade, e não em quantidade.

As fases da Marvel

Robert Downey Jr. em cena de Vingadores: Ultimato (2019), ápice de todos os filmes da Marvel
Robert Downey Jr. em cena de Vingadores: Ultimato (2019), ápice da Marvel (Foto: Divulgação)

Como diz o ditado, tudo que é demais enjoa. Um filme ou série da Marvel não é mais uma novidade. Houve um tempo em que o estúdio lançava uma ou duas obras por ano, e só. O que instigava o fã a esperar ansiosamente por aquela experiência.

  • Homem de Ferro saiu em 2008
  • Thor e Capitão América 1 debutaram em 2011
  • Os Vingadores foi o grande nome das telonas em 2012

A fase um da Marvel, em quatro anos, teve apenas seis filmes.

No entanto, a quarta fase durou dois anos e teve 16 OBRAS, entre filmes e séries.

A fase cinco, atual estágio da Marvel, promete 14.

Só em 2023, foram três filmes no ano e três séries no streaming. Até por isso, quase ninguém se empolgou com a Marvel neste ano nas telonas. O entusiasmo ficou mesmo por conta do fenômeno Barbenheimer. 

Marvel é esquema de pirâmide?!

Quinze anos se passaram desde a pedra angular da Marvel. E os fãs também envelheceram. Muitos perderam o interesse em filmes do gênero ou apenas desistiram das maluquices do estúdio, só que ainda há alguns fiéis que sabem de cor e salteado cada momento de toda essa epopeia.

Agora, conquistar um público novo que substitua os desgarrados é a mais difícil das missões, principalmente porque a Marvel é um grande esquema de pirâmide, que para entender o que acontece em 2023 é preciso saber de pelo menos dez momentos-chaves entre 2008 e 2022.

Em um mundo cada vez mais imediatista, quem tem tempo e paciência para isso hoje em dia?

Cena das gravações de Deadpool 3 (Foto: Divulgação)

O que esperar do futuro da Marvel

Uma alternativa seria, assim como nas HQs, a Marvel focar em histórias fechadas, em acontecimentos que começam e terminam no mesmo título, sem que a audiência seja obrigada a assistir a um filme de 2013 para saber o porquê de aquele personagem de 2023 odiar o outro. Além de dar mais liberdade para os roteiristas e diretores, evita furos nas histórias ou algum tipo de estranhamento, como ver Nick Fury bonachão em The Marvels após os acontecimentos de Invasão Secreta, por exemplo.

Mas não. A Marvel, desesperada, tenta se agarrar ao glorioso passado e estuda até abrir os cofres para trazer de volta nomes como Robert Downey Jr, Scarlett Johansson, Chris Evans, apelando para a nostalgia de um fã que ela nem sabe se tem mais nas mãos. Não é preciso pensar muito para prever o tiro no pé que seria essa iniciativa.  

O futuro é uma incógnita, com um grande potencial em mãos mas seguido de uma enorme desconfiança.

Nesses 15 anos, a Marvel usou menos de 10% dos seus heróis e conseguiu fazer história mesmo assim. Agora, com o quadro completo, incluindo Quarteto Fantástico e X-Men, por exemplo, o estúdio tem a oportunidade de repetir o feito, mas o vento não sopra a favor disso. Talvez em algum lugar do multiverso, a Marvel ainda seja uma potência no audiovisual, mas aqui, no universo principal, tudo desandou.

É hora de Loki reiniciar a linha do tempo!

Breno Piero
Jornalista, roteirista, escritor e viajante do tempo. Sente constantemente a perturbação da força. É contra remakes, mas pode ser convencido do contrário lá no Insta @brenopiero.