Vida, obra e política com Mario Vargas Llosa

Ele veio ao Brasil. Mario Vargas Llosa, vencedor do Nobel de literatura de 2010, realizou uma palestra no instituto Insper, em São Paulo, na última semana. Intitulado de “Mario Vargas Llosa – 80 anos: Histórias de liberdade” o evento, organizado em parceria com o Palavra Aberta trouxe à tona temas como ditadura, liberalismo e – é claro – literatura.

O escritor peruano começa a apresentação contando um pouco das dificuldades de passar pela vida universitária, iniciada em 1953, em meio a uma ditadura peruana. “Convivíamos com policiais disfarçados de estudantes, alunos e professores presos e até exilados”. Mario lembra que os anos 60 foram difíceis para a América Latina. “Em 60, podia-se contar nos dedos as democracias latino-americanas”.

Llosa dá uma verdadeira aula de história e política. Ele explica, com um certo tom de ironia, que tanto a direita quanto à esquerda eram contra a democracia na época. A direita achava que a política democrática abria espaço para o comunismo e colocava em risco tudo que fora adquirido. Por outro lado, a esquerda também rejeitava modelos democráticos, pois remetiam ao capitalismo opressor.

 

DO SOCIALISMO AO LIBERALISMO

Foi comunista por um breve período, chegou a ir para Cuba, conheceu Fidel Castro que, segundo Mario Vargas, falava demais. “T|ive uma reunião com Fidel uma vez. Ela durou doze horas e só ele falou nesse meio tempo”. Dizia ter se apaixonado pelo socialismo, porque passava a ideia de criar o céu na terra. Com o passar do tempo, percebeu que essa ideia era inconcebível, e após ver alguns atos que era contra sendo praticados pelos camaradas, foi-se decepcionando com a causa.

Sempre procurava respostas, mandava cartas pessoais pedindo explicações, chegou a enviar algumas a Fidel. Mas nenhuma trazia respostas concretas sobre porque estavam atacando homossexuais, pessoas de outra cor ou discriminando outras diferenças. Com isso, o comunismo foi perdendo o brilho.

Outro fato que ajudou a abandonar o ideal foi que o modelo literário passado pelo partido se distanciava daquele que queria produzir. Formado em Letras e Direito pela Universidade São Marcos, Llosa foi um leitor assíduo na época de faculdade. Gostava da geração perdida americana, do existencialismo Francês com Camus e principalmente de Sartre.

Llosa encontrou em Jean-Paul Sartre muitas influências para se firmar na vocação de escritor. O peruano expôs qual é o poder da literatura para ele. “Quando se escreve, você atua, suas palavras são atos. Por meio da literatura é possível influenciar a realidade, e até ajudar a mudá-la”. A paixão por Sartre era tão grande, que chegou a ser apelidado de “Sartrecinho valente”, pois usava frases existencialistas para quebrar os argumentos de alguns amigos Marxistas.

Quando abandonou o socialismo, sentiu-se órfão ideologicamente. Mas um livro o ajudou a preencher esse vazio ideológico: O ópio dos Intelectuais, do francês Raymond Aron, um grande liberalista. Essa foi a “conversão” de Mario Vargas Llosa ao liberalismo.

plateia atenta durante evento no Instituto Insper, em São Paulo / Foto: Mikael Schumacher

 

A AMÉRICA DE LLOSA

Visitou o interior da Bahia, quando esteve no Brasil com Margaret Thatcher. Uma vez aqui, decidiu reescrever a Guerra de Canudos. Leu “Os Sertões”, do brasileiro Euclides da Cunha, que narra a guerra de canudos. O Nobel de literatura conta que Euclides em seu livro “abriu os meus olhos para o que é, e o que não é a América Latina”, assim ele escreveu “a guerra do fim do mundo”. Foram três anos de trabalho, e retrata todos os desentendimentos, fantasias e matança que construíram a história dos latino-americanos.

Durante as perguntas, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa questiona Mario Vargas sobre a espetacularização vivida no Brasil. Llosa conta que sabe o que vem sendo dito sobre a política brasileira, mas acredita que não estamos vivendo um caos. “É uma mobilização por uma democracia mais distinta, menos corrupta, mais transparente e responsável. Não há nada de antidemocrático”. Continua explicando que foge de ser um golpe como os que tanto assombraram a América Latina no século passado.

Continuando entre assombração e política… Donald Trump, Llosa diz que não votaria no candidato do partido republicano. Porém, acha interessante que uma democracia tão antiga quanto a dos Estados Unidos abra os braços para o preconceito, o racismo, intolerância sexual e religiosa. Explica que se Trump chegasse à presidência seria desastroso, traria muitos estragos políticos, econômicos e conflitos externos causados por essa política da tribo. “Seria o fim da modernidade”, finaliza. Mas trata sobre o assunto com bom humor. “Não acredito que Trump se torne presidente. Mas, achava impossível que fosse candidato do partido republicano, agora não parece tão impossível assim”, causando riso da plateia.

E para finalizar, perguntam sobre o livro Travessuras da Menina Má. “Quem é o verdadeiro Ricardo Somocurcio, e todo apaixonado é um tonto?” Mario Vargas finge não ter ouvido a primeira parte, ri e começa a falar ainda rindo, “ele não é um tonto, é que ele já alcançou o paraíso, não tem mais o que querer. Enquanto ela não, ela sempre quer mais, é uma alma rebelde e insaciável”.