O insustentável peso do ser

Acho que Milan Kundera estava certo. “Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está a nossa vida, e mais ela é real e verdadeira”. E para quem não se dá bem com premissas literárias, digo em termos físicos: Newton deixou claro que a massa de um corpo é diretamente proporcional à gravidade, ou seja, quanto mais pesado, mais atraído à terra ele está.

Seguindo essa lógica, o peso é palpável, é realidade; a leveza, surreal, insustentável. Drummond discorda. “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”. O fardo, dessa vez, é que se torna impossível de sustentar. Acho que ele estava certo também. Quem sou eu pra discordar dessa gente?

Não sei o que teriam dito se estivessem aqui pra ver o que acontece hoje. Não sei o que teriam escrito, o que teriam formulado. Mas acho justo deixar registrado. Vai que, algum dia, a ciência resolve trazer os mortos de volta.

Então, camaradas do outro mundo, aqui vos digo: essa história de fardos e de peso e de leveza está cada dia mais confusa. Sabe, Drummond, às vezes sinto que também estou cheia de escravos… e minhas lembranças também escorrem. Mas só às vezes. Na maior parte dos dias, vivo sem culpa dos meus privilégios. E enquanto tantos são escravos de suas condições, cheios nas mãos de outros, muitos como eu deixam passar. O sentimento do mundo é discurso (algum dia não foi?). Hoje, os fardos são seletivos. Acho que você não ia gostar.

Mas olha, Kundera, também venho dar-lhe notícias. “Só é grave aquilo que é necessário, só tem valor aquilo que pesa”. Concordo com você. Hoje, nessa arena de combate de gerações, nesse caos ideológico, a indiferença e a seletividade ganham mesmo lugar. Eu sei. Mas também há gente tomando a frente de suas escolhas. Tem gente lutando por justiça. Tem gente assumindo o peso de fardos injustamente atribuídos. As ruas, às vezes, ficam cheias de gente bela, gente forte, gente oprimida e fora do padrão, que luta para que carreguem todos em igualdade o peso da vida.

E, bem, para você, Newton… o que dizer? Parabéns, cara, você continua certo e tomou um bom tempo da minha vida no colégio. Fique em paz.

A verdade é que a vida é feita de escolhas e suas consequências são pesadas. Às vezes, escolhemos não arcar com elas, pois pesam demais. Outras vezes, preferimos fechar os olhos para quem sustenta um fardo que não escolheu. Mas uma coisa é fato: o peso dessa seletividade é mais insustentável do que qualquer outro. E fica, permanentemente.

Que não deixemos de abrir os olhos. Todos os dias.