O que filme sobre Ângela Diniz não mostra? Conheça a história real
Um mês depois de entrar em cartaz nos cinemas, o filme Angela, com Isis Valverde, está disponível para assistir no Prime Video. Com direção de Hugo Prata (de Elis, de 2016), o longa conta a história real da morte da socialite mineira Ângela Diniz. Ela foi assassinada a tiros por seu então companheiro, o empresário Raul “Doca” Fernandes do Amaral Street. O crime aconteceu na Praia dos Ossos, em Armação dos Búzios, na Região dos Lagos do Rio, em 30 de dezembro de 1976.
Em pouco menos de duas horas, o filme mostra apenas os últimos meses da vida de Ângela Diniz. O espectador que começa a ver a história meio desavisado ou sem saber quem foi a modelo pode ter um pouco de dificuldade para entender a trama.
Neste texto, vamos explicar um pouco do passado da mineira antes de conhecer Doca Street e o que aconteceu depois do crime.
Quem foi Ângela Diniz?
Ângela Diniz nasceu em 1944 em Curvelo, cidade que fica na região central de Minas Gerais, a aproximadamente 160 quilômetros de distância de Belo Horizonte. Era filha de um dentista e de uma costureira de Belo Horizonte. Casou-se aos 17 anos com o engenheiro Milton Villas Boas, que tinha 31 na ocasião e pertencia a uma família tradicional de Minas Gerais. Durante dez anos de união, o casal teve três filhos: Milton Villas Boas, Cristina Villas Boas e Luiz Felipe Villas Boas.
Socialite que adorava a badalação social, sempre gostou de estar em festas e jantares, algo que o então marido não concordava. Ela, então, decidiu pedir a separação. No entanto, naquela época, não havia divórcio: apenas um processo conhecido como desquite, que precisa ser aceito pelas duas partes, sobretudo pelo homem. Nesse caso, havia a separação de fato e a divisão dos bens, porém não se permitia um novo casamento. Porém, as mulheres desquitadas sofriam muita discriminação da sociedade.
Contudo, Ângela Diniz decidiu fazer o trâmite. Milton Villas Boas aceitou o acordo, mas impôs condições: ela precisou abrir mão da guarda dos filhos e podia fazer apenas visitas controladas às crianças.
Separada, passou a ter um caso com o empreiteiro casado Tuca Mendes. Em junho de 1973, um crime expôs o relacionamento clandestino: o caseiro de Ângela foi morto com três tiros, e Tuca Mendes assumiu a autoria do crime, embora Ângela tenha se apresentado inicialmente como autora do disparo. Segundo ele, o caseiro, armado com uma faca, teria tentado assediar Ângela.
Depois do escândalo, ela deixou Belo Horizonte e se mudou para o Rio de Janeiro. Nessa mesma época, se envolveu ainda em outros dois crimes. Primeiro tentou sequestrar os filhos, que estavam sob a guarda do ex-marido. Depois, foi flagrada no Aeroporto Internacional do Rio com maconha.
Ângela Diniz e Ibrahim Sued
O filme começa em 1976, já com Ângela desquitada, curtindo uma festa em São Paulo na casa da milionária Adelita Scarpa, prima de Chiquinho Scarpa, famoso playboy da noite paulistana. Adelita era casada com Raul “Doca” Street, que inclusive trabalhava nas empresas da família Scarpa em São Paulo.
Naquela época, em 1976, Ângela Diniz tinha um relacionamento aberto com o colunista social Ibrahim Sued (1924-1995). Foi ele, aliás, quem a apelidou de “A Pantera de Minas”. Era por causa da relação com Ibrahim que Ângela estava na festa.
Ela e o colunista eram muito mais do que amantes na cama. Tinham uma relação de confiança e amizade, tanto é que o filme disponível para assistir no Prime Video mostra que Ibrahim tinha uma procuração para administrar o dinheiro de Ângela.
Para quem estiver interessado em saber quem era Ibrahim Sued, recomendo assistir ao documentário “Ademã – A Vida e As Notas de Ibrahim Sued”, lançado em 2022 pela GloboNews e disponível para ver no Globoplay.
O caso com Doca Street
A relação entre Raul e Ângela foi muito rápida. Do encontro na casa de Adelita (em agosto de 1976) ao assassinato (em dezembro de 1976) foram apenas quatro meses. Doca Street abandonou o casamento com a herdeira da família Scarpa, enquanto a socialite deixou a relação romântica com Ibrahim Sued.
Em 2006, 30 anos depois do crime, Doca lançou o livro Mea Culpa. Na obra, ele deu a sua versão sobre o caso, pediu perdão à família dela e disse o que teriam sido as últimas palavras da vítima.
“Se quiser me dividir com homens e mulheres – e aí ficou exaltada -, pode ficar, seu corno! E bateu a pasta com toda a força em meu rosto (…) Levantei-me e fui apanhá-la, a pasta estava aberta e minha arma estava no chão. (…) Quando me virei, xingando-a, já estava atirando. Disparei várias vezes de maneira mecânica.”
-> Assista aqui ao filme Angela no Prime Video
Quem matou Ângela Diniz?
Não houve mistério para descobrir quem matou Ângela Diniz, mas houve um julgamento que entrou para a história como um símbolo da desvalorização da mulher. Naquela época, o crime de feminicídio não existia no Brasil. Só virou lei em 2015.
Em 1979, ano do primeiro julgamento de Doca Street, o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) escreveu: “Aquela moça continua sendo assassinada todos os dias e de diferentes maneiras”.
Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, Drummond referia-se à estratégia da defesa de Doca Street, que mostrava Ângela Diniz como uma “femme fatale”, “vênus lasciva” movida a cocaína e álcool e que, depois de forçá-lo a abandonar família e amigos, quis desonrá-lo. A tese da legítima defesa da honra foi usada, entre outros advogados, pelo criminalista Evandro Lins e Silva para justificar o crime e tentar inocentar seu cliente, Raul. O argumento da legítima defesa da honra não consta no Código Penal brasileiro.
No primeiro júri, o argumento deu certo. O empresário terminou condenado a apenas dois anos de prisão. Saiu livre e ovacionado do tribunal. Pediam-lhe autógrafos nas ruas. Doca ganhou a liberdade e, além de vender carros para ganhar a vida, conquistou várias outras mulheres.
“No primeiro dia, saindo de casa, parei no sinal ao lado de um ônibus. Ouvi que me chamavam, e vi dois rapazes berrando: É isso aí, fez muito bem’ – diz Doca – ‘Outra vez, no Viaduto do Chá, disse a uma senhora que pedia um autógrafo para a filha: ‘Os jornais dizem que sou um gigolô e traficante, é esse o ídolo da sua filha?'”.
Trecho de entrevista da revista Época, em 2006, com Doca Street
O segundo julgamento
Ainda de acordo com reportagem da Época, em 1980, depois do julgamento de Doca, seis maridos mineiros assassinaram mulheres em nome da honra. Movimentos feministas iniciaram uma campanha: Quem Ama Não Mata. O primeiro julgamento foi anulado.
Em 5 de novembro de 1981, o assassino voltou ao tribunal. Dessa vez, terminou condenado a 15 anos, dos quais cumpriu três em regime fechado, dois no semiaberto e dez em liberdade condicional.
Sobre Ângela Diniz, Doca Street disse o seguinte na entrevista de 2006: “Foi a mulher que mais amei. Mas era uma vida doentia. Amor, uísque, champanhe, fumo, amor, pó, vodca. Mas essa coisa que envolvia a Ângela era o que mais me atraía para ela. Aquela loucura toda, transar escondido nos lugares mais estranhos. Era o que fazia a adrenalina subir”.
Raul Fernando do Amaral Street morreu em 18 de dezembro de 2020, aos 86 anos, ao sofrer um ataque cardíaco. Ele deixou três filhos e netos.
Filhos de Ângela Diniz hoje
A morte de Ângela Diniz foi apenas a primeira tragédia de muitas da família. Em 2006, a filha dela, Cristiana Vilas Boas, então com 42 anos, concedeu uma entrevista ao jornal Folha de S.Paulo e detonou a publicação do livro de Doca.
“Esse homem é um canalha. Ele está querendo ganhar dinheiro à custa da minha mãe. Meu Deus, quando é que ele se cansará de assassiná-la e a reputação dela?”.
“Para nós, a morte de mamãe foi avassaladora”.
“Ela era uma mulher de vanguarda. Ela fazia o que bem entendia. Apesar de toda a dor que passamos, eu tenho o maior orgulho de ser filha de Ângela Diniz”.
Cristiana Vilas Boas, em entrevista à Folha de S. Paulo, em 2006
A reportagem da Folha ainda registra: “O filho caçula de Ângela, Luiz Felipe, morreu aos 21 anos em um acidente de carro. O mais velho, Milton Vilas, 43, sofreu um acidente de motocicleta em 1982. Teve traumatismo craniano e hoje locomove-se com dificuldade. O primeiro marido de Ângela, Milton Vilas Boas, morreu em 1980, em um acidente de avião”.
“Maria Diniz, avó de Cristiana e mãe de Ângela, parou de trabalhar depois do assassinato da filha -ela era costureira do high society mineiro-, ‘tornou-se uma pessoa amarga que vivia para cuidar do meu irmão Milton’. Morreu em 2006.
O caso Ângela Diniz
Infelizmente, não achei o filme Angela tão bom quanto poderia ser. Parece um amontoado de cenas que não exploram os pontos mais interessantes da trajetória de Ângela Diniz.
Para quem quiser saber os detalhes todos, recomendo o podcast jornalístico Praia dos Ossos, sucesso lançado pela Rádio Novelo em 2020, com mais de 3 milhões de downloads. São oito episódios ao todo. Ouça aqui.
Acesse o novo canal de ofertas do Crônicas do Agora no WhatsApp. A partir de 10 de outubro, vamos publicar diariamente os melhores descontos da Amazon! Aproveite oportunidades para datas como Black Friday e Natal.