Crítica: O Assassino leva a impessoalidade do trabalho ao seu limite
por PEDRO STRAZZA
FOLHAPRESS – Michael Fassbender não pisca os olhos uma vez no filme O Assassino. Okay, esse detalhe é o tipo de megalomania que os artistas de Hollywood adoram. Mas na sessão vira uma curiosidade incômoda, para lá de macabra.
Macabra porque faz parte da ética do personagem, um matador de aluguel sem nome que se apresenta como um perfeccionista medíocre. O discurso no começo do filme diz tudo. Ele não é especial, não tem nada de extraordinário e não se destaca no trabalho. Isso o torna perfeito à função de executar alvos à distância. Seu trabalho é mecânico como planilhar números, e ele o segue com rigor até nas funções humanas, como as piscadas.
A impessoalidade do protagonista cerca o longa dirigido por David Fincher, que mergulha em seus pensamentos. O assassino do título tem uma filosofia de vida que lembra a de outros sociopatas do cineasta. Ele é também um homem voltado ao trabalho, com ojeriza pela humanidade. Como o cinema de Fincher, o protagonista é um misantropo contumaz.
Mas aí ele comete um erro, e feio. A bala que deveria alvejar um ricaço acaba na sua amante –uma profissional do sexo, talvez– e ele não elimina o alvo.
Depois disso, o assassino escapa ileso, seguindo sua metodologia à risca.
Ao chegar ao lar da tarefa, descobre que sua esposa –quem diria?– foi atacada por mercenários. Ele resolve ir atrás dos responsáveis, e para isso segue seu método obsessivamente organizado.
Mas o erro está ali, nos seus pensamentos. Aos poucos, aquele tiro equivocado ricocheteia em toda a narrativa, organizada à semelhança do protagonista. A pergunta, afinal, assombra o matador da mesma maneira que intriga o público do filme. Como ele errou
Por mais que O Assassino seja uma história com começo e fim óbvios, o filme é um enigma aberto nas suas intenções. Fincher e o roteirista Andrew Kevin Walker fazem uma trama metódica e controlada, que se limita ao essencial do gênero. A tensão –e os prazeres– do longa surgem de arroubos frios, como em uma cena de luta inesperada ao protagonista.
O Assassino destila nisso um tanto do cinema noir francês, em especial o de filmes como O Círculo Vermelho, de 1970, e O Samurai, de 1967. Ambos feitos por Jean-Pierre Melville, os dois obcecados por repercutir o método obsessivo de seus personagens na profissão.
A diferença é que Fincher, aqui, filma o desespero mudo de Fassbender com sadismo.
O assassino nunca se manifesta sobre o erro depois da noite do incidente, mas aquilo o atormenta. Seu método falha mais algumas vezes e ele dobra as suas regras inflexíveis –como atender o desejo de uma de suas vítimas.
A chave para o porquê desse atropelo contido está nas cenas com os personagens de Tilda Swinton e de Sophie Charlotte. O primeiro por uma questão de reflexo maldito, com a britânica fazendo uma matadora tão metódica como ele. Sua mediocridade, descobrimos, é mesmo comum.
Já Charlotte, que vive a esposa, perturba nas poucas palavras que sua personagem diz ao marido no leito do hospital. “Eu não disse nada, você teria orgulho de mim”, ela afirma, toda estropiada em seu leito no hospital.
Nesses dois momentos, o assassino misantropo se vê confrontado por uma impessoalidade que não controla. Aquele erro, cometido lá no começo, é um berro distante de humanidade.
O ASSASSINO
- Onde assistir: Estreia nos cinemas nesta quinta (26); fica disponível na Netflix em 10 de novembro
- Classificação: 16 anos
- Elenco: Michael Fassbender, Tilda Swinton e Sophie Charlotte
- Produção: Estados Unidos, 2023
- Direção: David Fincher
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