CINEMA EM CASA | Os Oito Odiados e o jogo narrativo de Tarantino
160 minutos de um western com traços narrativos peculiares. O segundo de Quentin Tarantino, que se consagrou no gênero com Django Livre, em 2012, vencendo o Oscar de Melhor Roteiro, também de sua autoria. Antes disso, já se consagrara com praticamente todas as suas obras prévias e seu estilo de direção característico no mundo cinematográfico.
Que Tarantino é uma figura mitológica no cinema já sabemos. Mas o que faz de Os Oito Odiados o grande e provável auge de sua carreira até agora?
Ambientado nos Estados Unidos pós-guerra civil com intensas nevascas no plano de fundo, o longa se inicia com Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson) e John “O Carrasco” Ruth (Kurt Russell) encontrando-se na estrada. Este leva em sua diligência a procurada Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), a fim de coletar a recompensa oferecida por entregá-la; aquele, por sua vez, leva três procurados mortos, também buscando sua recompensa, e pede carona na diligência do outro.
No caminho, ainda encontram Chris Mannix (Walton Goggins), recém-nomeado xerife. A partir desse ponto, devido à nevada interminável, a diligência é forçada a parar, e o faz em um armazém durante o caminho. No local, mais quatro integrantes se juntam ao grupo: o fazendeiro Joe Cage (Michael Madsen), o executor Oswaldo Mobray (Tim Roth), o general Sandy Smithers (Bruce Dern) e Bob (Demián Bichir), o mexicano sob o qual a dona do armazém Minnie (Dana Gourrier) deixa os cuidados do local enquanto viaja.
Temos, portanto, nossos oito odiados, que permanecem confinados no armazém, alimentando entre si uma crescente tensão advinda de suas diferenças, que leva a um sangrento e inevitável confronto.
No entanto, a grande sacada do filme não reside apenas nos brilhantes roteiro e fotografia, ou na violência tão bem construída, ou na trama de vingança sempre alegórica a uma problemática real (retaliação aos nazistas, em “Bastardos Inglórios”, ou à escravidão, em “Django Livre”, por exemplo). Não, não está aí. Isso já é de praxe de Tarantino.
A grande sacada é o jogo de construção e desconstrução narrativa constante estabelecido na trama. O diretor surpreende com a imprevisibilidade: a primeira parte da trama, que se passa na estrada sob neve, foca apenas na interação inicial das personagens e sua viagem; demarcada pela mudança de ambientação, a reviravolta ocorre com maestria: dentro do armazém, a situação se torna tensa, claustrofóbica, insustentável.
Tarantino também opta por uma tática denominada “a ponta do iceberg”, muito utilizada pelo escritor americano Ernest Hemingway em suas obras. Assim, oferece ao espectador apenas o mínimo e superficial sobre as personagens e suas intenções, permitindo que criemos julgamentos e suposições errôneas, para desconstruí-las ao longo do filme, quando vai, aos poucos, lançando a quem assiste todo o aprofundamento que faltava.
É uma trama chocante e bem executada, com personagens complexos, atuações que excedem as expectativas e edição impecável. Ao fim das contas, sobram apenas duas conclusões: é impossível não se apegar a esses oito tão odiados… e Quentin Tarantino permanece brilhante.
O filme está disponível no catálogo Netflix.
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OS OITO ODIADOS
TRAILER
SINOPSE
O faroeste tem oito personagens: O Caçador de Recompensas (Samuel L. Jackson); O Carrasco (Kurt Russell); O Confederado (Bruce Dern); O Cowboy (Michael Madsen); O Mexicano (Demián Bichir); O Pequeno (Tim Roth); A Prisioneira (Jennifer Jason Leigh); e O Xerife (Walton Goggins). Anos após a Guerra Civil, no interior do Wyoming, uma diligência levando o caçador de recompensas John Ruth, também chamado o Homem da Forca, e a fugitiva Daisy Domergue, sofre um acidente e os dois seguem para a cidade de Red Rock, onde Daisy será entregue à justiça. No caminho, eles encontram o Major Marquis Warren, ex-soldado da União que se tornou mercenário, e Chris Mannix, sulista que acredita ser o novo xerife da cidade por direito. Os quatro se perdem numa forte nevasca, e buscam refúgio na parada de Minnie, nas montanhas.