Nossa relação com a comida não precisa ser de desconto

Nossa relação com a comida não precisa ser de desconto

Hoje completo uma semana sem comer carboidratos ou açúcares. Me intoxiquei de tralhas no organismo e desenvolvi uma alergia à lactose que piorou uma intolerância que trago desde a infância e enfim: dieta restritiva, aqui estamos nós.

É claro que eu emagreci bastante, já que estou sem comer arroz, pão, farinhas, bolachas, doces, bolos e etc, mas o grande ponto desta dieta tem sido pensar sobre a forma como a comida estava/está na minha vida.

 

Minha relação com a comida sempre foi de descontos

  • Comer chocolate para descontar a raiva

  • Comer batata frita para descontar a frustração

  • Comer o dobro de manhã para descontar a noite mal dormida e a falta de energia

 

E isso me levou a pensar que: se eu não deixo passar sentimento desapercebido, por que quero descontar as emoções que eu tanto valorizo? E por que em comida?

Não é lá muito fácil fazer essa análise. Sobretudo porque eu não sou (ou não era – todo absoluto é errado) uma pessoa muito ligada em comer bem.

Depois que saí da casa dos meus pais, parei de fazer comida e comecei a fazer 60% das minhas refeições na rua, por falta de tempo. Haja cupom de desconto do Burger King. Haja organismo pra tanto sódio, xarope de milho e óleo de soja. Haja corpo pra metabolizar tanto lixo.

E eu criei essa consciência a partir de um vídeo que assisti do Fernando Grostein Andrade, que fez o documentário do Quebrando o Tabu, falando com a Paola Carosella, jurada do Masterchef, sobre a nossa relação com a comida. O vídeo está aqui e vale muito a pena assistir:

“É bizarro pensar que a gente não arrisca colocar gasolina de posto de gasolina sem bandeira no nosso carro, mas nem pensa duas vezes antes de botar pra dentro o primeiro podrão que vê pela frente.”

 

Os dias, definitivamente, não tem sido fáceis. Dá muita vontade de bolachinhas, misto quente, pão-de-queijo e baião de dois. Meu exercício tem sido pensar: “você já passou por privações mais difíceis. Respira”.

Não foi a lactose e os embutidos que me adoeceram. Foi a minha rotina.

O buraco desce ainda mais quando a gente enxerga que o problema não é o que você come, bebe ou fuma, mas o fato de você se despir do ritual para fazê-lo.

Ir no BK na primeira sexta do mês não faz mal. Ir no BK numa terça, como hábito, faz. O que faz mal é não ter tempo de cozinhar mesmo depois de sair do trabalho. O problema está na ausência de tempo entre um dia e outro, onde tudo se arrasta e você não consegue sequer comer coisas decentes. E pior: se acostuma a não querer.

O café sem açúcar o paladar se acostuma. Precisar de tanto café o corpo não aguenta. Ficar sem arroz é fácil. Difícil é abrir mão de um livro pra conseguir cozinhar.

 

Todo dia é um exercício:

  • Treinar cozinhar de novo, como hábito;

  • Inventar pratos;

  • Achar substituições;

  • Parar de responder “Eu não posso” para aprender a responder “Eu não quero”.

 

Eu tenho descoberto novos sabores e novas formas de consumir o mesmo alimento de sempre, mas em uma outra receita. Transformar uma couve-flor num purê, um frango assado num fricassê, um pão com peito de peru num enroladinho com tomate.

E depois das refeições ter certeza de que meu corpo tá bem alimentado sem excessos, sem comida de mentira e com sabor de verdade.

Obviamente essa dieta tem prazo de validade, mas, depois dela, eu estou disposta a pensar duas vezes antes de pedir batata grande por mais R$1.

A poesia da contradição escrevendo uma coletânea vitalícia de histórias que vivi e inventei.