Isabella: O Caso Nardoni recupera assassinato e mostra fragilidade na perícia

Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella Nardoni, em depoimento ao documentário Netflix
Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella Nardoni, em depoimento ao documentário Netflix
por BRUNO GHETTI E FLÁVIO FERREIRA

RIO DE JANEIRO, RJ, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No fim do último mês de março, completaram-se 15 anos de um dos mais marcantes casos criminais ocorridos no país. A morte da pequena Isabella Nardoni, sufocada pela madrasta e jogada da janela de um apartamento em São Paulo pelo próprio pai, segundo a investigação policial, ainda hoje causa arrepios nos brasileiros que acompanharam sua espalhafatosa cobertura midiática, em 2008.

A Netflix disponibiliza em sua programação, nesta sexta (17), um documentário que revisita o ocorrido. Dirigido por Claudio Manoel e Micael Langer, Isabella: O Caso Nardoni se baseia em uma vasta pesquisa de material de arquivo e em diversas entrevistas recentes com pessoas envolvidas para relembrar e permitir uma reflexão sobre esse crime.

“A ideia é manter o caso na memória, mesmo. Foi uma coisa marcante. Todo mundo que viveu aquela época se lembra, mas de muita coisa já não se recorda mais”, diz Manoel. “E também [vai servir] para uma outra geração, que não presenciou aquilo.”

Isabella chega na esteira de outras produções do subgênero true crime, que relembra delitos que causaram comoção pública, como as séries Marielle: O Documentário, do Globoplay, sobre o homicídio da vereadora carioca Marielle Franco, em 2018, e Pacto Brutal, da HBO Max, sobre a morte da atriz Daniella Perez, em 1992.

“Não teve o aproveitamento de uma janela”, diz Manoel, afastando a ideia de que seu documentário teria surgido para surfar em uma onda que costuma render boa audiência e repercussão em redes sociais.

“Nosso filme propõe a discussão não só do caso em si. Tem toda uma história humana, com as pessoas que estão no centro dessa dor e que reconstruíram suas vidas. E que estão hoje aí, principalmente a mãe e a avó de Isabella, que são exemplares”, diz Manoel. “Isso difere dos outros [filmes e séries] porque tem toda uma preocupação com a delicadeza, com a lembrança de uma menina que teve a vida interrompida.”

A obra começa e termina com depoimentos da mãe de Isabella, Ana Carolina Oliveira, e de seus familiares.

Além de falar do caso, ela conta detalhes do convívio familiar antes da morte da menina e também atualmente, com filhos de um novo relacionamento.

Mas é nos depoimentos de juiz, promotor, policiais, peritos, advogados e jornalistas que se concentram os esforços dos diretores. O tema da superexposição de fatos e personagens envolvidos no caso permeia todo o documentário.

São lembradas, por exemplo, a instalação de banheiro químico para a população do lado de fora da delegacia, no dia do interrogatório dos acusados, e a montagem de equipamento de som em frente ao fórum onde ocorreu o julgamento para que a multidão ouvisse em tempo real a leitura da sentença que condenou Alexandre e Anna Carolina.

O filme traz ainda contestações às investigações e perícias do caso.

Dá espaço, por exemplo, à discussão sobre se a polícia teria partido de uma convicção sobre a culpa de Alexandre e Anna Carolina de forma a direcionar a apuração para provar a responsabilidade do casal na morte de Isabella. Análises da advogada Flávia Rahal, integrante do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), jogam luz sobre o tema.

Uma das lacunas apontadas pelo documentário diz respeito ao depoimento de um pedreiro que trabalhava em um imóvel localizado atrás do prédio onde Isabella morreu.

Em entrevista ao repórter especial da Folha de S.Paulo Rogério Pagnan, autor do livro “O Pior dos Crimes – A História do Assassinato de Isabella Nardoni” e um dos consultores do documentário, o pedreiro relatou que o imóvel teria sido arrombado, o que deixava aberta a hipótese de que uma terceira pessoa pudesse ser a responsável pela morte da menina e escapado pelo imóvel.

Após a publicação da reportagem pela Folha de S.Paulo, o pedreiro foi levado pela polícia a depor e mudou sua versão, desmentindo até mesmo que tivesse falado ao repórter, embora a entrevista tenha sido gravada.

“Nessa história, que fala muito do país, a gente tratou de como as pessoas reagem a certas situações. Tem a questão da família, da dor, da perda, mas tem também toda uma coisa sobre o que aconteceu depois do crime. Da investigação, do comportamento das pessoas, da mídia”.

Micael Langer, um dos diretores.

Há ainda uma interessante observação sobre Jatobá, enquanto uma espécie de vítima do marido do ponto de vista patrimonial –a excessiva dependência financeira de Alexandre pode ter condicionado seu comportamento.

“É uma tese”, diz Langer. “A gente achou que era pertinente levantar uma questão, mas sem querer determinar se aconteceu isso ou aquilo.”

Nem Nardoni nem Jatobá quiseram dar entrevista ao documentário.

Desde junho deste ano, ela cumpre sua pena em regime aberto. Nardoni, desde 2019, está em regime semiaberto com saídas ocasionais. Muita gente ache que a pena foi muito leve, mas Manoel prefere observar a situação por outro prisma.

“Eles foram condenados por causa da lei, cumpriram [suas penas] dentro da lei e estão sendo soltos pela lei. Qualquer satisfação em relação a isso, a sociedade tem todo direito de discutir, como tudo dentro de uma democracia. Mas você tem aí todo um arcabouço legal que foi cumprido”, afirma.

ISABELLA: O CASO NARDONI

  • Quando: Estreia nesta sexta (18), na Netflix
  • Produção: Brasil, 2023
  • Direção: Claudio Manoel e Micael Langer

FOLHAPRESS
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