Aventuras de José e Durval costura vida de Chitãozinho e Xororó com suas canções

As Aventuras de José e Durval é uma série que está na lista de lançamentos do Globoplay em agosto de 2023
Irmãos Rodrigo e Felipe Simas são José/Chitãozinho e Durval/Xororó em série Globoplay (Foto: Divulgação)
por LEONARDO SANCHEZ

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Disfarçando as evidências acerca da história que realmente quer contar, As Aventuras de José e Durval chega ao Globoplay nesta semana, sob um título cifrado, que diz pouco sobre a trama. O nome pode até negar aparências no episódio inaugural, mas basta que as crianças protagonistas comecem a cantar no segundo capítulo para o espectador ver tudo com clareza.

“É o inhambu-xintã e o xororó”, entoam José e Durval com o violão na mão, se adiantando ao batismo que, mais à frente, os transforma em Chitãozinho e Xororó. Isso só vai acontecer lá para o meio da série, que recupera a trajetória de uma das duplas mais importantes da música brasileira, no rescaldo das comemorações de seus 50 anos de carreira.

É curioso que As Aventuras de José e Durval não leve no título os nomes famosos, capazes de atrair um público fiel às vozes de “Evidências”, ainda mais num momento em que toda uma geração parece ter redescoberto sua música de raiz. Por outro lado, foi uma maneira de afastar a produção do universo puramente sertanejo, ainda visto com certo preconceito.

“Eu não queria fazer algo de nicho, não queria usar o nome, o cabelo, a imagem deles, para que os meus amigos roqueiros não vissem a série. Eles [Chitãozinho e Xororó] são enormes, mas para mim não era suficiente”, diz Hugo Prata, que já se debruçou sobre um medalhão da música brasileira na direção do filme Elis, sobre Elis Regina.

“E eu queria que a série fosse divertida. Era importante dar um norte para quem chegava ao projeto, dar o espírito da coisa”, completa, afirmando que queria se apropriar do tom lúdico e sentimental de histórias como As Aventuras de Tom Sawyer e As Aventuras do Barão de Münchhausen.

Numa das primeiras cenas, com a dupla ainda criança, vemos José e Durval abrindo sorrateiramente o cercado de porcos de um vizinho mais abastado. Eles correm com sorrisos largos enquanto são perseguidos por um exército de suínos, num momento de leveza antes que a câmera retorne ao lar humilde e à cozinha vazia nos quais cresceram.

Mas é de uma obra mais contemporânea que José e Durval parece se aproximar, ao ler a sinopse ou ouvir os comentários do diretor sobre a série Rocketman. Cinebiografia de Elton John, o longa tomou um caminho parecido ao misturar com cuidado o que era realidade e o que era ficção.

As músicas do ídolo britânico, como as de Chitãozinho e Xororó, precisavam conversar com o roteiro e, para isso, o projeto se permitiu certa liberdade poética, aumentando a dose de drama de algumas passagens e imaginando outras por completo.

Em As Aventuras de José e Durval, canções como Galopeira surgem para denunciar a infidelidade de seu pai, por exemplo.

“Foi num baile em Assunción/ Capital do Paraguai/ Onde eu vi as paraguaias/ Sorridentes a bailar”, entoa o personagem de Marco Ricca diante de uma fogueira, enquanto é descaradamente paquerado por uma paraguaia.

Ou Fio de Cabelo, que empresta seus versos românticos para falar de dois tipos de amor, numa sequência que mostra Chitãozinho se despedindo de uma mulher com a qual se envolve e, em paralelo, se aprofunda na tenra e devota relação dos irmãos com a mãe.

“Não bastava ser hit, queríamos canções que se encaixassem em determinados momentos da vida deles. Não dava para parar o episódio e tocar uma música famosa. Foi uma dificuldade, porque tinha que funcionar, até nos arranjos, em termos de sonoridade, para a história”.

Hugo Prata, diretor da série

Da mesma forma que Rocketman contou com a participação limitada de Elton John, que não esteve presente no set de forma recorrente, José e Durval também se aproximou de Chitãozinho e Xororó com cautela.

A dupla só foi assistir aos episódios quando a série já estava pronta.

Muito antes disso, porém, foi preciso consultá-los para escrever o roteiro. Eram como sessões de terapia, em que Prata e sua equipe iam conquistando a confiança dos sertanejos na esperança de ouvir passagens inéditas de sua trajetória. Foi assim que entenderam melhor o papel da mãe, interpretada por Andréia Horta, e de sua saúde mental debilitada, que a obrigou a sair de casa em camisa de força em mais de uma ocasião.

Quem também se encontrou com Chitãozinho e Xororó durante a produção foram, claro, os atores responsáveis por levá-los às telas. Para a primeira metade, quando ainda são crianças, Prata encontrou Pedro Tirolli e Pedro Lucas, meninos que já cantavam em suas cidades natais, mas que estão em seu primeiro trabalho de atuação, após uma extensa busca.

Já para a versão adulta, recebeu uma sugestão que, tão breve tocou seus ouvidos, pareceu óbvia. Por que não chamar irmãos que também dividem o ofício, como é o caso dos músicos? Os nomes de Rodrigo e Felipe Simas vieram à mente de imediato.

“Há uma cumplicidade, uma irmandade que pudemos levar à cena”, diz Rodrigo, que faz Chitãozinho e está em cartaz em São Paulo com o monólogo Prazer, Hamlet. Pela idade, ele assumiu o mais velho, enquanto Felipe, no ar com Fuzuê, ficou com Xororó.

Ambos entendem que há um peso enorme no trabalho por tudo aquilo que os sertanejos representam para a cultura brasileira, mas foi justamente a presença do irmão no set que deu conforto para encararem o que chamam de dois gigantes.

Diferentemente de Pedro Tirolli e Pedro Lucas, os garotos, eles não cantam nos shows vistos na série. As vozes que o público vai ouvir são de Chitãozinho e Xororó, mas isso não quer dizer que os irmãos Simas não ficaram roucos após as gravações.

Eles são ouvidos, a capella, numa cena ou outra, e apesar de terem suas vozes substituídas na série, eles se puseram a cantar no set, para dar autenticidade a partituras difíceis, cantadas a plenos pulmões em karaokês Brasil afora. “Acabavam as gravações e, no dia seguinte, a garganta estava inchada. A gente canta, mas que bom que vocês não escutam”, brinca Felipe.

“São raros os artistas que conseguem conectar gerações tão bem. Eles têm um dom de falar com a alma das pessoas”, arrisca Felipe, ao falar do sucesso estrondoso de Chitãozinho e Xororó dos anos 1970 aos dias de hoje, quando são tocados até em balada indie. “E sem sombra de dúvida há o talento. Isso é atemporal”, completa Rodrigo.

AVENTURAS DE JOSÉ E DURVAL

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