A sociedade dos aplicativos e o tempo que escorre pela palma da mão
Para alguns, o dia só rende quando se acorda cedo. Para outros, o dia rende quando avança a noite. Os notívagos, como eu, conseguem se escutar no silêncio da madrugada. É uma pausa das notificações que ficam pipocando a todo instante no celular. Afinal, quando uma nova manhã se descortina, ficar offline ou demorar mais de uma hora pra responder uma mensagem é crime passível de pito num grupo qualquer.
A sociedade dos aplicativos é aplicada em compartilhar rapidamente vídeos, fotos, emojis, links, prints, áudios e informações que ficam obsoletas assim que chega a notificação seguinte. É preciso acompanhar os grupos, tem que separar um tempo pra ouvir os áudios longos, pra assistir aos vídeos de “bom dia” que trazem sempre uma reflexão que pode mudar a história da humanidade ou uma piada que você jamais tinha pensado. Dá tempo de mandar milhões de memes pra sacanear o time do seu amigo que tá em má fase – e na semana seguinte, você precisa responder a todas as provocações que recebeu após a derrota da sua equipe.
É tanta coisa que aparece na tela: “(aquele conhecido que você não vê há dois anos) está ao vivo”, “(YouTuber X) acabou de enviar um novo vídeo”, “URGENTE! PGR acaba de fazer uma nova denúncia que não vai dar em nada”. Pausa pra acompanhar o stories de celebridades e web celebridades no Instagram! Abre o Facebook. Arruma o time no Cartola. Interage com algum desconhecido no Twitter. Cria uma playlist no Spotify. Embarca em polêmica no comentário de um post. Confirma presença num evento desnecessário. Manda um sincero e longo desejo de feliz aniversário pra alguém que você nem lembrava que tinha como amigo na rede social, mas que não custa nada ir lá e escrever um “parabéns” já que foi notificado dessa tão “importante” data.
Aquilo que podemos resolver na palma da mão parece mais fácil. Aquilo que podemos ser na palma da mão parece mais fácil.
Na palma da mão, solucionamos as mazelas e injustiças do país. Nos indignamos. Na palma da mão, somos “haters”. Na palma da mão, somos críticos. Na palma da mão, somos gentis. Na palma da mão, temos memória. Na palma da mão, mantemos próximas as celebridades distantes. O celular em punho dá a impressão de estarmos alertas. De estarmos prontos e atentos. Dá a sensação de sermos velozes e presentes no dia dos mais chegados e dos mais afastados.
Mas qual a nossa condição quando o Wi-Fi é desligado e a internet móvel não funciona?
O que tem nos sobrado quando acaba a bateria do celular?
A quem temos dado atenção enquanto a palma da mão está vazia?
Quem você é offline?
Se eu pudesse enxergar o tempo, teria uma certeza: ele está escorrendo pela palma da mão…