Preto, pobre e periférico tem vez na TV e no cinema nacional?
Não consigo entender como é possível, num país como o Brasil, não termos filme de P³ (preto, pobre e periférico) rodando a televisão que nem notícia sensacionalista no jornal de fim de tarde.
E ainda pior: como conseguimos colocar todo papel de preto naquela caixinha estereotipada, como se tivéssemos só aqueles poucos tipos de preto. Você sabe a qual estereotipo ele pertence só pela forma como o personagem fala e se veste. Elencar preto não é uma escolha, é uma necessidade do enredo.
O racismo no nosso cinema é velado: a gente finge que não tem preto porque não tem ator. A gente finge que não coloca porque não tem opção. A gente finge que é assim porque é o que o público quer ver. A gente finge que a arte imita a vida. Mas e aí? E se não?
O homem preto no filme é o rico que age como branco ou o desonesto que só faz o que faz porque é preto. Ele pode ser o policial (que eventualmente será descoberto como o traíra) ou aquele pai de família bondoso casado com uma loira (pra provar que negro também consegue as brancas). O homem preto só aparece na tela quando o personagem precisa ser preto. Ele não está lá porque o personagem precisa ser homem. Ele está lá porque o personagem precisa ser preto.
Todos esses estereótipos provam pontos que nós não podemos deixar pra lá: a nossa produção audiovisual ainda é racista. E não representa, em nada, a vida real.
Metade do Brasil é preta. Entre pretos de pele clara (os chamados pardos) e pretos de pele escura, temos mais de 50% da população. Onde estão essas pessoas, se não estão representadas nos filmes que vão aos cinemas assistir? E por que, num país com tanta gente, o preto que aparece na TV é, majoritariamente, de pele clara?
O homem preto representa só 15% de todo cinema produzido no Brasil. Isso que, pra ele, são diversas opções de estereótipos. A mulher preta fica muito antes: é só 5%. Pra ela, cabe ser empregada, mulher de malandro, a que tem subemprego e o chefe acha “gostosa”. Hipersexualizada, é claro. Mas de mulher preta a gente conversa na semana que vem.
Quando você procura preto na tela, acha preto de pele clara. E na vida?
Bom, na vida temos o preconceito velado de quem não é racista, mas claramente atravessa a rua e esconde o celular no bolso disfarçadamente quando vê um preto. Na vida, preto de pele escura não cabe no restaurante chique, nem no shopping com a família, nem do lado de branco. Preto tem que saber seu lugar.
Se não aceitamos na vida, quem vai nos ensinar a representar na tela?
Não queremos preto na tela, porque não gostamos de parecer racistas.
A ausência de representatividade nos leva a ideia – falsa – de que somos todos brancos. Como se ser branco fosse compulsório. Como se só existissem brancos: parte-se do princípio que todos são.
O cinema brasileiro é distante da realidade e, os poucos filmes que fogem disso, são vistos como exceções quando não deveriam ser mais do que o comum. O filme “Mundo Cão”, do qual participamos da coletiva de imprensa no último dia sete, é uma exceção muito bem feita. O elenco é majoritariamente preto, a trilha sonora é composta pela batida da Black Music e a vida da periferia é o pano de fundo da história, mas não fala necessariamente da periferia. As pessoas simplesmente moram lá e são pretas. Ponto. O filme não é sobre isso.
A dificuldade em colocar o preto na tela é justamente não conseguir representar o que o nosso cotidiano não consegue incluir. A ausência de pretos dando aulas, em cargos de chefia, em espaços elitistas, dentro das universidades e nas carteiras de salas de aula. O cinema não consegue representar aquilo o que nós não conseguimos enxergar.
Mas e a culpa, é de quem?
(Os dados citados são do IBGE e da UERJ)