Opinião: Meu Nome É Gal pode ser o sucesso que o cinema nacional precisa

Sophie Charlotte interpreta Gal Costa em Meu Nome É Gal
Sophie Charlotte interpreta Gal Costa em Meu Nome É Gal (Foto: Divulgação)
por INÁCIO ARAUJO

FOLHAPRESS – Com todo respeito a Sophie Charlotte –formidável como Gal Costa–, mas o nome-chave deste Meu Nome É Gal suspeito que seja o de Márcio Fraccaroli. O diretor-geral da Paris Filmes foi uma espécie de Midas da comédia brasileira do século 21. Talvez ninguém soubesse exatamente porque tal filme faria sucesso, mas ele sabia.

Como aqui Fraccaroli consta como produtor do filme e a Paris como distribuidora, pode-se esperar que seu faro não tenha sido abalado pela pandemia, já que temos aqui um filme bem digno –até mais do que isso– e uma mostra da necessidade absoluta de o cinema brasileiro emplacar um sucesso, embora sem contar com uma cota de tela que o proteja de Hollywood e cercanias.

As diretoras Dandara Ferreira e Lô Politi fizeram sua parte. Meu Nome É Gal começa por ter a vantagem de não pretender abarcar toda a existência da cantora.

Acompanha a artista a partir do momento em que chega ao Rio de Janeiro e começa a se afirmar como cantora, enquanto se desenvolve como pessoa. Graças à desenvoltura do filme, em menos de cinco minutos superamos aquele ritual de toda biografia: será que a Maria Bethânia do filme parece com a Bethânia mesmo? E o Caetano Veloso? E afins.
Em vez de mostrar a infância de Gal, o modo como foi tratada pela mãe (e com pai ausente), seus anos de colégio –enfim, tudo que caracteriza as biografias “do feto ao túmulo”, como se diz–, o filme faz o correto.

Isto é, para sabermos sobre a infância, basta a cena em que a mãe invade seu apartamento em São Paulo e vemos então como ela é, os cuidados que tem com a filha, mas também seu lado autoritário –o filme não a julga, porém.

Enfim, Meu Nome É Gal nos priva dessas roubadas com a mesma facilidade com que evita nos conduzir àquelas infalíveis apoteoses, com aplausos delirantes. Evitar essas armadilhas é uma virtude.

Tudo que se pode esperar da biografia de uma cantora também está presente, inclusive os clichês: a primeira gongada (verdade que é defendida por Caetano), o encontro com o agente que a revelará a si mesma, o sucesso. A descoberta da sexualidade também está presente, mas não se pode dizer que seja um clichê, nem que seja desenvolvida de forma vulgar.

Tudo isso seria pouco se o filme não buscasse mostrar sua época pelo lado mais difícil. Eram anos de ditadura, os do surgimento do tropicalismo e da ascensão de Gal como artista.

O país se dividia em dois: o dos libertários (os que aspiravam por algum tipo de revolução) e o dos liberticidas (ditadura militar e apoiadores).

É nessa luta que a música de Gal, mas não só, evolui. Havia outra divisão: entre os nacionalistas, que maldiziam as guitarras elétricas, e os que buscavam o mundo para encontrar a nação. É nessa questão que a entrada das vaias estrepitosas a Caetano Veloso e seu É Proibido Proibir não funciona como mera ilustração. Ele é praticamente o cerne desse combate no interior da arte brasileira.

Rodrigo Lelis e Sophie Charlotte em Meu Nome É Gal
Rodrigo Lelis e Sophie Charlotte

Na segunda parte do filme essa questão é claramente superada pela política.

É quando, após mostrar a alegria da chegada e a euforia do êxito, Gal descobre o desencanto. E quando seus amigos são presos, perseguidos ou exilados. O momento dramático talvez não casasse com a personalidade da cantora. Ou das autoras do filme, tanto faz. O fato é que nessa parte o filme afrouxa um tanto.

O fato de tratar de um assunto dos anos 1960 de modo algum impede Meu Nome É Gal de ter um olho na atualidade. Quando nos aponta um país dividido em dois, é também na divisão que vivemos hoje em dia que ele visa.

Afinal, trata-se de não confundir uma busca libertadora como foi a do tropicalismo com uma repressão que se esconde sob a bandeira de uma liberdade indefinida.

Impossível saber se essa partilha vai ajudar ou prejudicar o desempenho de Meu Nome É Gal. Mas a parte que se podia esperar dele foi cumprida. Eis aí um filme acessível a qualquer um, fácil de ver, que podemos dizer “bem feito”. Em suma, eficaz.

Sabe-se que o sucesso de filmes brasileiros depende, em grande medida, da estima do espectador pelo país. Nesse sentido, este filme pode ser o primeiro real termômetro de nossa felicidade no pós-quase golpe de Estado.

MEU NOME É GAL

  • Avaliação: Muito Bom
  • Quando: Estreia nesta quinta (12), nos cinemas
  • Classificação: 12 anos
  • Produção: Brasil, 2023
  • Direção: Dandara Ferreira e Lô Politi

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