CRÍTICA: One Piece, mangá mais vendido do mundo, ganha tom épico em série da Netflix
por ALESSANDRA MONTERASTELLI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Saqueadores violentos que navegam pelos mares em busca de tesouros, aventureiros libertários que não abaixam a cabeça para governantes tiranos ou fanfarrões boêmios viciados em rum. Seja como for, a figura mítica dos piratas já inspirou incontáveis narrativas, apesar de poucas terem feito tanto sucesso quanto One Piece, mangá que nesta semana ganha uma adaptação em live-action, isto é, com atores, pela Netflix.
Os quadrinhos japoneses criados por Eiichiro Oda em 1996 se tornaram o mangá mais vendido da história, com cerca de 516 milhões de cópias espalhadas por 61 países, e inspirou uma série animada já em 1999, que continua em exibição.
Chegou a entrar no “Guinness World Records” pelo recorde de história em quadrinhos de um mesmo autor com mais volumes publicados, superou o Batman, titã da DC, em vendas pelo mundo e só fica atrás da tiragem das revistas do Super-Homem, em circulação desde 1938.
Em One Piece, após a execução do maior pirata de todos os tempos, Gol D. Roger, corsários vão ao mar em busca do tesouro que dá nome ao mangá, capaz de transformar quem o encontrar no novo rei dos piratas. Monkey D. Luffy, o protagonista, é jovem destemido e bem-humorado que sonha com o título.
Um homem-borracha, capaz de esticar seu corpo o quanto quiser, Luffy ganhou poderes depois de ingerir o chamado “fruto do diabo”. Sempre com seu chapéu de palha, o protagonista sai pelos mares à procura de uma tripulação, para finalmente viajar em direção à Grand Line, faixa de oceano que cruza o globo, conhecida pelas águas de difícil navegação e povoada pelos mais temidos corsários e criaturas fantásticas.
No caminho, Luffy faz amigos que se tornam seus companheiros.
Zoro é um espadachim que quer ser o melhor do mundo; Nami é uma navegadora que quer desenhar o mapa de todos os mares; Usopp é um atirador medroso que deseja ser herói; Sanji, um cozinheiro que domina artes marciais e almeja encontrar o All Blue, mar com as mais variadas espécies de peixes, e mais seis personagens com diferentes aspirações.
Conforme a trama avança, a tripulação precisa lidar com situações mais complexas que meros combates -apesar de as cenas de luta serem um ponto forte da obra-, que vão do enfrentamento a um establishment opressor até conflitos pessoais que remetem à infância dos personagens.
Os detalhes do universo criado por Oda e o apelo sentimental ligado aos flashbacks são, por sinal, os motivos atrelados ao sucesso do mangá nesses 27 anos.
“A longevidade está ligada à criatividade de Oda para criar lugares e conflitos. Mas a história é sobre muito mais. Fala de opressão, controle, inseguranças pessoais. São muitos temas atuais”.
Matt Owens, produtor da série da Netflix
Agora, One Piece é mais uma produção sobre piratas a desembarcar nas telas de Hollywood, com a vantagem de estrear com uma base de fãs já consolidada em todo o mundo, o que faz do título uma das principais apostas do serviço de streaming no ano.
“Eu acreditava que os mundos dos mangás não haviam sido feitos para serem adaptados para live-action. Recebi muitas ofertas para One Piece, mas recusei todas por muitos anos”, diz Eiichiro Oda
Reservado, o mangaká mais famoso do mundo não mostra o rosto na conversa por vídeo com a imprensa.
Ele mudou de ideia graças ao avanço das tecnologias dos estúdios, que o convenceram de que a adaptação seria possível. Ultimamente, mangás e animes vêm ganhando as telas, em versões em carne e osso, com certa frequência, como atestam Dragon Ball Z Evolution e Death Note. Mas, para Oda, esses não são “casos de sucesso”.
O desafio é similar ao das adaptações de filmes animados em 2D. “Você tem um mundo bidimensional, e no papel você pode desenhar o que quiser. Mas quando você adiciona uma terceira dimensão, é preciso conferir um grau de realidade para as pessoas acreditarem no que estão vendo”, diz Marc Jobst, um dos produtores e também diretor da série da Netflix.
Onde One Piece foi gravado?
Para alcançar o objetivo, recorreram a lentes especiais de filmagem, uma versão maior das MiniHawk. Permitem takes amplos da paisagem ao mesmo tempo em que o foco está nos atores, filmados de perto. “Quem vê sente que está explorando aquele mundo junto com os personagens”, afirma o diretor.
As filmagens ocorreram na Cidade do Cabo, na África do Sul. Objetos e comidas específicas foram criados para se igualar aos desenhos de Oda, enquanto o cenário foi construído para parecer “que já estava lá há muito tempo antes de a tripulação desembarcar”. Um time de 70 profissionais foi contratado para dar textura às roupas que, na animação, têm apenas cor.
As condições de Oda nas negociações com a Netflix foram que a adaptação não poderia alterar a história passada dos personagens. Tampouco os super-poderes conferidos a quem come os chamados “frutos do diabo” –os usuários, porém, perdem a capacidade de nadar.
“No Japão, minha geração cresceu vendo filmes de Hollywood, como Indiana Jones, E.T. e Exterminador. Se Hollywood fosse adaptar One Piece, minha expectativa era ter uma produção seria de alto nível”, diz Oda. Desejo realizado, segundo ele.
O estúdio americano já vinha apostando na fama do mangá quando disponibilizou em sua plataforma as temporadas da animação com dublagem própria para o português, passando a competir com o Crunchyroll, um streaming de nicho com mais de 900 séries de animações asiáticas no catálogo.
Força do mangá no Brasil
Os volumes de One Piece circulam no Brasil desde 2002, o que levou à formação de uma base sólida de fãs. O sucesso acontece apesar de a animação ter sido picotada na TV aberta, ao contrário de títulos como Naruto e Dragon Ball.
Basta ir à Liberdade, bairro japonês de São Paulo, para encontrar camisetas, chaveiros e bonecos com a cara de Luffy nas lojas e barraquinhas. Até a cantora Elza Soares, morta no ano passado, publicou em seu Twitter, em 2020, que assistia a One Piece com a neta e adorava.
Com a produção, a Netflix espera atrair um público ainda mais amplo, formado por pessoas que ainda não conhecem o mangá ou o anime. Afinal, a aventura épica, com sequências de batalhas e enormes monstros do mar construídos com efeitos visuais de ponta, toca em temas universais.
“Todo mundo pode se identificar com essa realidade”, diz Jobst. Apesar dos momentos sombrios, o otimismo é regra dentro da saga. Um alívio para Eiichiro Oda, que vê nesse jeito esperançoso a missão de seus personagens.
ONE PIECE
- Quando: Estreia nesta quinta (31), às 4h (horário de Brasília), na Netflix
- Onde assistir: Netflix
- Classificação: 14 anos
- Elenco: Iñaki Godoy, Mackenyu e Emily Rudd
- Produção: EUA, Japão, Reino Unido e África do Sul, 2023
- Criação: Steven Maeda e Matt Owens