Anitta tem razão? Melhor episódio de Black Mirror 6 abandona essência da série
Black Mirror deixou sua essência de lado no melhor episódio da 6ª temporada. A história contada em Loch Henry, o segundo da nova leva, abraça o suspense com unhas e dentes, entregando uma produção que os assinantes da Netflix amam consumir. Tem mistério, suspense, true crime e até plot twist.
Contudo, aquela pitada Black Mirror raiz, com discussões explícitas sobre o uso da tecnologia, passa despercebida para quem não tem um olhar mais atento. A cantora Anitta, por exemplo, chegou a dizer que a sexta temporada “não é mais sobre tecnologia, agora é ‘thriller’ aleatório, os diálogos mal feitos, as histórias bobas sem propósito”.
Em Loch Henry, acompanhamos a visita do casal de cineastas Davis (Samuel Blenkin) e Pia (Myha’la Herrold) à mãe do rapaz, a solitária viúva Janet (Monica Dolan). Os dois estão de passagem pela cidade natal do jovem na Escócia antes de irem para uma região próxima para gravar um documentário sobre um homem que protege ovos da comercialização ilegal.
Mas os planos sobre o tema a ser filmado mudam assim que Pia fica a par de uma história bizarra ocorrida na cidade nos anos 1990: o desaparecimento de um casal em plena lua de mel. E é o crime misterioso praticado por lá que eles decidem documentar.
Explicação do episódio da série Netflix
A princípio, Davis até reluta, uma vez que seu pai levou um tiro do serial killer Iain Adair (Tom Crowhurst) e morreu em decorrência de complicações da internação. Mas o rapaz decide ceder à insistência da namorada, que entende que a história pode ser uma forma de manter a memória do policial Kenneth (Gregor Firth) viva. E, além disso, ajudar a sogra a superar o luto.
O amigo de infância de Davis, Stuart (Daniel Portman), também engrossa a súplica para que o filme saia do papel, já que vê na oportunidade uma forma de fazer com que seu pub ganhe uma sobrevida com uma possível retomada do turismo.
Com a ajuda de Stuart, a dupla passa a investigar detalhes do crime. Visitam o local onde Iain morou e supostamente matou as vítimas, leem documentos e recortes de jornais da época. Assistem a reportagens jornalísticas do crime e acabam descobrindo muito além do que um dia pensaram em documentar.
A produção é instigante ao dar pequenos fragmentos ao telespectador sobre o que está por vir, sendo difícil prever o próximo passo da série. Quando finalmente chega ao ápice, as reviravoltas acontecem praticamente em looping. É um suspense daqueles, com um final para lá de surpreendente. Não tem como não ficar chocado com o desfecho.
Crítica de Loch Henry
O único problema do episódio acontece quando chegamos ao fim e lembramos que a produção vem envelopada no selo Black Mirror. Em Loch Henry, a menção à tecnologia é mero pano de fundo para o desenrolar do episódio, já que discute o tema de um documentário que está para ser produzido. “Detalhe” à parte, temos um ótimo episódio de suspense.
Com um olhar mais atento, contudo, é possível notar que há sim uma crítica na produção. Mas ela é menos explícita do que costumávamos acompanhar em outros episódios da franquia. Em Loch Henry, vemos a crítica se estabelecer em um paralelo de passado e presente.
Quando vemos o crime ser retratado em 1997, o foco é nas vítimas e no que aconteceu em si. Já no documentário feito pelo protagonista, e que serve de uma metáfora para os tempos atuais, o foco não vai só na história, mas na audiência, no engajamento e em como é possível explorar o bizarro mais e mais para ganhar dinheiro.
Este episódio de Black Mirror alfineta a própria indústria do streaming e como ela se beneficia com o burburinho de produções baseadas em crimes reais. Além disso, mostra os efeitos da internet nos anos 1990 e hoje para turbinar os acontecimentos jornalísticos ou do audiovisual. Temos, por exemplo, o caso do serial killer Jeffrey Dahmer, que teve sua história contada na série Dahmer: Um Canibal Americano (2022) pela própria Netflix.
A audiência foi um sucesso e a exploração do caso também. Aqui no Brasil, por exemplo, vimos um empresário de Manaus se fantasiar como o matador em série em uma festa de Halloween. E olha que “coincidência”… Quando o documentário ficcional de Davis sobre o macabro crime da sua cidade é premiado, há quem comemore vestindo um dos elementos usados pelo assassino.
Ou seja, Anitta não tem tanta razão assim.