Travessuras da menina má, um livro sobre o odioso amor incondicional

Imagine que você encontrou alguém que te atrai em todos os sentidos e âmbitos possíveis. A pessoa mexe com a sua cabeça sem abrir a boca e, depois que abre, você não consegue nem se concentrar.

Imagine que essa pessoa apareça na sua vida o tempo todo, sem você estar esperando e sem que a procure – apesar de todas as pessoas do seu cotidiano serem incomparáveis a ela e qualquer um que não seja ela tenha se tornado mobiliário urbano depois do segundo bom dia.

Essa foi a pessoa que Ricardo encontrou no Peru, país onde nasceu, quando pequeno. E, anos depois, em Paris. Ricardo sempre teve um sonho de morar em Paris. Conhecemos pessoas com diversas ambições e vontades dos mais diversos tipos: ter um carro, casa própria, escrever um livro, compôr uma música que toque nas rádios ou encontrar o grande amor da sua vida. Ricardo só queria morar em Paris.

Ir pra Paris fazia parte de quem ele queria ser, de quem ele já era e nem sabia e de todas as coisas que ele se tornaria.

Encontrar essa pessoa, em Paris, anos depois, foi um susto. Foi um relance súbito e ele precisava reencontrá-la para dizer que ela continuava linda, que ele ainda a amava e que todos aqueles anos não tinham feito a menor diferença naquele lindo rostinho.

Até que não, não foi ela quem ele viu: ele até reencontra a mulher, mas ela nega suas origens peruanas, nega conhecê-lo, nega ter vivido toda e qualquer história que Ricardo decorou nos detalhes como se tivesse lido para contar à alguém.

Lily era uma menina má. E Lily estava em Paris.

Ricardo e Lily passam por poucas e boas. O livro tem como pano de fundo a revolucionária Paris dos anos 60, depois a free love London dos anos 70 (a onda do “amor livre” veio pra cá com o delay de 40 anos, aparentemente) e os eventos históricos se tornam parte da história. Lily é jovem. Quer conhecer o universo em todas as suas possibilidades.

Lily desaparece e sempre reaparece destruída sem muitas oportunidades, mas com o poder de controle de Ricardo sempre em dia. Ela o controla mentalmente, sexualmente, financeiramente. Ela o deixa a beira do desespero o tempo inteiro e, antes que ele caia desse abismo, o puxa de volta e novamente some.

Ricardo cede. Sempre cede. Ele cede, porque Lily é linda, engraçada, fala bem. Lily é sensual e ele não consegue imaginar outra forma de viver se não com ela. Se não por ela, como?

A personalidade de Ricardo construída pelo Mario Vargas Llosa durante o livro nos faz questionar se somos Ricardo ou se somos Lily: se somos as boas pessoas que aceitam ou se somos os persuasivos e controladores.

Apesar disso, Lily não é de todo má. Ela só precisa, em grande quantidade, de mudanças. A monotonia faz mal e a destrói. Por isso, está sempre partindo.

O livro foi publicado em 2006 e vencedor do Nobel da Literatura em 2010. Saiu em terras brazucas pela Editora Alfaguara.

A poesia da contradição escrevendo uma coletânea vitalícia de histórias que vivi e inventei.
Sair da versão mobile