Não tem nada demais se o outro não quer nada comigo

Relacionamento é assim: você conhece alguém. Aí a pessoa parece massa, um pouco desgraçada das ideias, mas nada que prejudique o desenvolvimento da conversa.

Para o bem geral da nação, você chama pra primeira cerveja. Aquela delícia. Aquela que o outro lado da mesa ri com um sorriso largo, abraça com braços caridosos e reconfortantes, canta com a mão no peito de emoção a música do Leonardo que toca no fundo e sempre faz um trocadalho do carilho com as coisas mais retardadas possíveis. E cê pensa se vai precisar fazer textão na mesa sobre opinião divergente sobre relacionamentos ou se só vai estender os braços e falar: “sim, sim, sim, sim!!!! É isso, por que as pessoas não entendem?”. Só que… não rola.

O bar é até definido, vocês sabem o endereço, a hora e a data, mas nunca acontece. A pessoa não vai. Cê também não: fica em casa, abre uma cerveja sozinho, assiste mais um episódio de Grey’s Anatomy ou Sons of Anarchy. Dá risada olhando pro WhatsApp sem nenhuma notificação. Nem aquele grupo frenético que fala de futebol e cerveja vinte e quatro horas por dia tem um desocupado pra jogar conversa fora.

A janela do ser humano iluminado segue com o seu “morreu???” com um tique. Beleza. Hora de aceitar a realidade: tomei um bolo. Assim, eu tomo muitos bolos. E foras. E o combo dos dois. Acontece, ué.

Ninguém é obrigado a ter interesse em mim. Eu não sou obrigada a ter interesse em ninguém.

A pessoa do outro lado tem todo direito de me achar sem sal, assim como acho sem sal muita gente que, pelo menos uma vez por mês, me chama no WhatsApp (quem passou meu número?) pra falar: “ouvi essa música e lembrei de você!”. Normal, né? Não gosto muito da forma como você lida com as pessoas ao seu redor e não tenho interesse. Normal que não gostem do meu batom escuro, ou do meu cabelo sempre volumoso e bagunçado ou, ainda mais comum, que odeiem o som da minha risada. Juro. Acontece.

O que a gente tem que parar de fazer é associar toco com o fim do mundo. As pessoas têm direito de não estarem mutuamente interessadas umas pelas outras. Eu tenho direito de não estar interessada em você. Você tem todo direito de não estar interessado em mim, também.

O único direito que você não tem é de não deixar isso claro. E aí ficar comendo pelas beiradas, sabe? Aquela coisa chata de colocar em banho-maria porque “vai que!”. Aquela coisa erradíssima que fazem de não admitir o desinteresse, nem concretizar o interesse – aí a cabeça fica louca cheia de dúvidas e, dessa história, ninguém sai feliz.

Sabe o que é ser gente boa de verdade? Ser gente boa é ser desinteressado e deixar claro com simpatia e educação. Ser gente boa é avisar que não quer aparecer ao invés de simplesmente sumir. Ser gente boa é dar um parecer quando não vai rolar. Ser gente boa é não deixar o outro criar caraminholas por meias-verdades. Ser gente boa é colocar todas as cartas na mesa – mesmo que não sejam lá um três de paus. Ser gente boa com o outro é deixá-lo perder o interesse sem perder a admiração. Ser gente boa é entender que ninguém é obrigado a querer ninguém e não forçar a barra. Ser gente boa é falar a verdade.

Nem tem um grilo tão grande em não ter interesse correspondido. Irritação gigante na qual eu assino embaixo vem com interesse em gente inconstante incapaz de escrever as verdades usando tinta preta no branco do olho. Quando avisa, a gente ri e deixa a vida seguir seu rumo. Somos em quase oito bilhões de pessoas no mundo. A chance de encontrar gente boa que entende trocadilho é maior do que se imagina. Tá dentro ou vai dar o fora?

 

A poesia da contradição escrevendo uma coletânea vitalícia de histórias que vivi e inventei.
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