Mundo Cão, a violência circunstancial

Se fosse preciso descrever Mundo Cão com uma palavra, sem hesitação e por unanimidade, seria forte. O filme, dirigido por Marcos Jorge, que também dirigiu Estômago, não economiza nas emoções que causa. São dores infindas que começam com o desaparecimento do cachorro Nero do estrategista Nenê, interpretado por Lázaro Ramos. Estrategista é só um bom nome: o que ele faz é pilantragem. O filme é ambientado em 2007 e, por isso, encontra sacrificado seu cachorro desaparecido ao procurá-lo no Zoonose três dias depois (a lei que proíbe a eutanásia em cães só entrou em vigor em 2008).

Extremamente irritado com a situação a qual foi exposto, Nenê se desentende com Santana, um funcionário da prefeitura que sempre fugiu de problemas e procurou fazer somente o seu trabalho. Paulinho Serra é seu colega e, junto com Tony Ravan fazem um trio responsável por boa parte das cenas de humor da primeira metade do filme.

O segundo baque vem com outro desaparecimento: o filho de Santana sai para jogar bola e não volta pra casa. A mãe, Dilza, interpretada por Adriana Esteves, beata, dona de casa dedicada e costureira de calcinhas sofre muito a dor da ausência do filho pela casa.

O casal tem outra filha, Isaura, que está na fase chata da adolescência que não quer ouvir os pais, quer vestir o que quer, andar como quer e fazer o que quiser.

Do outro lado deste ambiente temos Nenê. Pavio curto e líder do seu grupo, dá as regras do jogo. Ele trabalha principalmente com Cebola, personagem de Milhem Cortaz, que é seu braço direito. A partir daí se desenrola uma trama com altos e baixos que nos fazem chorar e grudar na cadeira do cinema, aperta-la e sugar o ar de espanto com as cenas.

Tecnicamente falando, o filme tem algumas falhas. Edição e áudio têm toques que pediam um pouco mais de atenção na sincronização e início das trilhas.

E, por falar em trilha sonora, Marcos Jorge novamente erra a mão. Ele já foi anteriormente criticado pelos excessos e, apesar de Mundo Cão não ter tantos, o ouvido pede por silêncio em cenas que receberam músicas com guitarra, bateria, voz e muito barulho. Fora as vozes e efeito sonoro. É muita informação. Mesmo assim, é preciso exaltar e parabenizar a atuação de Babu Santana como baterista, que torna o ambiente muito mais amigável. A música se torna parte da história e da personalidade do personagem. Nesses momentos, a trilha acerta a mão.

O elenco principal é composto majoritariamente por negros. Adriana Esteves é a única branca protagonista dessa história e, na coletiva de imprensa, Lázaro Ramos ressaltou a importância de um filme com este quadro no atual cenário do cinema brasileiro. Em seu primeiro papel como vilão, Lázaro evidencia a pluralidade do homem negro na tela, fugindo dos estereótipos aos quais é submetido (mas a gente fala mais sobre isso até o final da semana aqui no Crônicas).

“Mundo Cão” foi um filme trabalhado a cada detalhe. O diretor Marcos Jorge explicou a complexidade de cada uma das cenas: “cada plano desse filme é um truque. O cachorro foi a chave que encontramos para fazer um filme sobre violência sem criar um filme violento“. Apesar do elenco negro, o que influenciou toda a história e personagens foi o Babu Santana. O personagem Santana foi inspirado no ator e, a partir da música do baterista, incluiu a Black Music na trilha sonora que delineia toda a história.

Toda a violência presente no longa é decorrente de acasos. Coincidências que geram atitudes impulsivas que geram brigas que geram mais atitudes impulsivas até que já não se saiba mais pelo quê está brigando.

O ator Babu Santana diz: “quando você está se afogando, mesmo que você não saiba nadar, você vai tentar fazer alguma coisa. É assim que o meu personagem reage a tudo o que acontece a ele”.

 

“Matar é foda. Não é só apertar o gatilho. Você tem que olhar na cara do cara.”

 

O filme estreia dia 17 de Março.

A poesia da contradição escrevendo uma coletânea vitalícia de histórias que vivi e inventei.
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