Esse corpo que você insiste em pegar eu não te dei, é meu. Devolve.

Devolve pra mim o que você roubou. Mas talvez roubo não seja a palavra ideal. Você não bateu rápido, arrancou e foi embora. Você ficou. Segurou. Arrancou. Parou. Arrancou de novo. Trouxe outros. Outros 30. 31. Fora você.

32 contra 1. 32 arrancando de mim coisas que nunca deixei. Eu não te dei essa perna. Devolve. Não te dei essa coxa. Devolve. Não te dei esse corpo.

É meu.

Devolve e não pega mais. Não encosta. Não tenta. Não enfia a mão em mim e pega o que vê pela frente. Não te dei, é meu. Devolve.

Não chama amigos pra virem pegar. Eu já tava cansada, exausta, louca, inconformada. Ainda é meu. Você ainda não pode meter a mão. É meu. Não encosta.

Esse corpo é meu. Deixa pra mim: quem eu dou que pegue pra si.

Eu não devia ter que te falar isso. A gente aprende na escola a não pegar o lápis do outro, o estojo do outro, a jaqueta do outro. Só quando o outro dá. Não te dei. Por que você pegou?

Devolve.

Essa face é minha, esse peito é meu, essa voz é minha, essa boca é minha, esse ser inteiro é todo meu. Todo.

Não me viola, não me ataca, não me coloca perto de você como se fosse sua. Não me prende, não me segura, não me força a ficar. Não ri quando me vir chorar, não se excite se me vir caída.

Esse corpo que você insiste em pegar eu não te dei, é meu. Devolve.

A poesia da contradição escrevendo uma coletânea vitalícia de histórias que vivi e inventei.
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