Crítica: Mercenários 4 põe Jason Statham à frente de franquia já esgotada
por JOÃO MONTANARO
FOLHAPRESS – Faz quase dez anos desde que Mercenários 3 chegou aos cinemas, em 2014. A franquia de ação movida à base de nostalgia, músculos e artilharia pesada parecia ter esgotado todas as possibilidades de explosões, desmembramentos e participações especiais de astros de ação veteranos –Mel Gibson, Wesley Snipes, Harrisson Ford etc.– no seu terceiro filme. O detalhe de esse título também ter sido o maior fracasso de bilheteria da série parecia apontar que o público também estava saturado.
O que justificaria uma nova aventura da trupe em 2023?
Aquele que insistir nas quase duas horas de duração de Mercenários 4 vai sair do cinema sem muitas respostas. E talvez se perguntando como Sylvester Stallone ainda é capaz de coordenar os músculos da face.
O filme abre com o assalto a um genérico complexo militar na Líbia, onde um genérico general está em poder de um genérico artefato atômico. Genéricos mercenários do mal –você sabe que são do mal porque são asiáticos ou do Leste Europeu– invadem o local, fazem a família do general refém e exigem que ele entregue o genérico artefato atômico.
O elenco
Enquanto isso, em Nova Orleans, nossos heróis Barney, papel de Stallone, Christmas (Jason Statham), e Gunnar (Dolph Lundgren) estão às voltas com mulher, brigas de bar e alcoolismo –mas também com impeditivas dores nas costas, óculos de grau e sonecas diurnas.
Talvez a visita cruel do tempo tenha finalmente chegado para a falange quase octogenária dos matadores de aluguel; talvez seja a hora de passar o bastão do intervencionismo internacional criminoso para uma geração mais nova.
Talvez agora eles finalmente consigam sossegar o facho e aprender a amar verdadeiramente uma linda stripper, mas a crise existencial dura pouco e logo eles são convocados pela CIA (encarnada na figura de Andy Garcia) para impedir que o artefato caia nas famigeradas mãos erradas (o vilão de Iko Uwais). Juntam-se a eles 50 Cent e Jacob Scipio, substituindo Terry Crews e Antonio Banderas, que provavelmente dispensaram o valor do contracheque.
Em uma curiosa contração e dilatação do espaço-tempo fílmico, nossos heróis chegam à Líbia a tempo de sair no soco com os mercenários do mal, mas um erro de Statham leva ao desastre da missão e a morte do patriarca Stallone.
Ainda com o corpo quente, literalmente, eles precisam recuperar a arma de destruição em massa das mãos do vilão e vingar o fim do astro da franquia. Em desgraça por seu imperdoável erro, Christmas é deixado para trás para não comprometer a missão, sendo substituído como líder por, pasmem, uma mulher, Gina, personagem de Megan Fox.
O momento de Jason Statham brilhar
Logo, percebemos que o filme não é mais uma aventura de grupo, mas um veículo para Statham brilhar. O ator britânico ocupa a maior parte do tempo de tela indo ao resgate dos outros mercenários quando a vendeta encontra problemas. A mudança descaracteriza o espírito de nostalgia oitentista da série, mas talvez justifique o dinheiro do estúdio.
Depois de estrelar Megatubarão 2 neste ano e participar de Velozes e Furiosos 10, Mercenários 4 consolida o ator como um dos mais árduos trabalhadores do gênero em atividade. Estaríamos próximos de uma fadiga? A resposta é sim e não.
Statham tem inegável carisma marrento e, do alto dos seus 54 anos, entrega complexas coreografias de luta e tiroteio, mas é o mau uso desse ativo pela direção pobre que acaba comprometendo seriamente o filme.
É aí também que entra o principal problema da franquia como um todo.
Nenhuma das características genéricas de enredo, ou mesmo os arroubos de macheza, mau gosto e xenofobia imperialista são estranhos aos filmes que consolidaram anteriormente os astros mais velhos da série.
Mas esses filmes também se encontravam nas mãos de competentes realizadores, com engenhosidade visual, controle narrativo e, principalmente, controle de excessos. Nomes como James Cameron, Tsui Hark e John McTierman sabiam a hora de explodir um carro de boi ou um arranha-céu. Compunham a ação com ritmo preciso, usando frases de efeito, pirotecnia e movimentação de câmera para pontuar a narrativa.
A direção de Scott Waugh, por sua vez, tem um vocabulário visual de um ex-dublê que virou diretor, onde o importante é a intensidade do impacto da ação e não sua relação com o contexto. Não que a experiência como dublê seja ruim, vide o ótimo trabalho físico de Chad Stahelski na saga John Wick. O resultado aqui, porém, é um ASMR para adolescente perturbado dormir.
Ao se despir do seu referencial oitentista, suas participações especiais, seu espírito de autoparódia e o carisma do seu astro principal, sobrou para Mercenários 4 só uma catarse ranzinza mal direcionada.
Seus homens anacrônicos nunca estiveram tão perdidos em cena, reclamando do declínio da contemporaneidade como reclamam do declínio do corpo. Centrando em Statham, o mais jovem, o filme mostra que reerguer uma glória passada que não foi sua invariavelmente termina em dissabor patético. Ao menos segue em sintonia com seu público-alvo.
MERCENÁRIOS 4
Avaliação: Regular
Onde: Nos cinemas
Classificação: 18 anos
Elenco: Sylvester Stallone, Jason Statham, Megan Fox
Produção: EUA, 2023
Direção: Scott Waugh