Ailton Graça recupera samba e comédia de Mussum em filme premiado

Ailton Graça cantando como Mussum no filme que chega aos cinemas
Ailton Graça interpreta Mussum no filme que chega aos cinemas (Fotos: Globo Filmes/Divulgação)
por LEONARDO SANCHEZ

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Mussum, O Filmis poderia ser só mais uma biografia na avalanche do gênero que invade o cinema nacional e também o estrangeiro. O longa começa na infância humilde do humorista e vai mostrando sua ascensão, reproduzindo trechos icônicos de sua obra enquanto demonstra cautela para preservar seu legado.

Mas há uma fuga da fórmula devido a um detalhe que reverbera ao longo de suas duas horas. É a mãe de Mussum e sua relação com o filho, e não exatamente a fama e as controvérsias, que dão liga à narrativa. É com a morte dela –e sem spoilers aqui, já que os dois estão mortos há anos– que o longa encerra, não com a dele.

Na abertura, também, ela está lá. De mãos dadas com um pequeno Antônio Carlos Bernardes Gomes, chega à casa burguesa onde trabalha como faxineira, só para ouvir do patrão que não quer o menino ali, por mais comportado que ele seja.

A mãe de Mussum

Malvina (Cacau Protásio / Neusa Borges) percebe que o caminho para seu herdeiro não será fácil, tanto pela condição social, quanto pela cor de sua pele, e verbaliza o que será o leitmotiv de Mussum, O Filmis: “Burro preto tem um monte, mas preto burro não dá”.

Parece haver certa preocupação em distanciar Antônio, um sujeito sagaz, estudioso e multitalentoso, de Mussum, que fez fama na Escolinha do Professor Raimundo e com os Trapalhões como um personagem abobalhado, beberrão e que fala errado, adicionado um cômico “is” no fim das palavras.

Ailton Graça e Neusa Borges em cena do filme (Foto: Globo Filmes)

Filme premiado

É assim que Mussum, O Filmis chega às salas nesta quinta, após passar pela Mostra de Cinema de São Paulo e o Festival do Rio. Do Festival de Gramado, saiu como o grande vencedor, com os prêmios de melhor filme, ator, ator e atriz coadjuvantes, trilha musical e o troféu do público.

“Ele sempre teve o humor dentro dele, e uma hora isso transbordou até virar um personagem. Mas nós queríamos humanizar o Mussum, tirar ele dos estereótipos, para que chegasse ao público a história de uma pessoa, de alguém que tem uma relação fabulosa com a mãe, por exemplo. E, claro, de alguém que trouxe alegria para milhões de brasileiros”.

Silvio Guindane, diretor

Também ator, Guindane vem se aproximando dos bastidores do audiovisual, depois de atuar em séries como Bom Dia, Verônica e Impuros. “Mussum” é sua primeira vez dirigindo um longa-metragem e o tamanho do personagem biografado não o intimidou, mas deixou a estreia mais difícil.

“Era importante pôr o Mussum grande na tela, porque ele merece”, afirma, reiterando o poder de atração que um filme como este tem. “Minha intenção sempre foi fazer um filme para o público. E não digo isso por ser meu filme, mas a gente precisa voltar a ver o espectador brasileiro vendo filmes brasileiros, e eu sinto orgulho de fazer parte de uma produção com chances de alcançar isso.”

Turbinado pelos prêmios em Gramado e a atenção conquistada em outros festivais, Mussum, O Filmis é ventilado por muitos da indústria como uma possibilidade de salvação para o cinema nacional, que, no pós-pandemia, não viu o público retornar às salas para prestigiá-lo com a mesma rapidez com que voltou aos filmes hollywoodianos.

As apostas também estão no carisma de Ailton Graça, que vive o protagonista.

Num ano especialmente produtivo, o ator será homenageado no Cine Ceará e viu Carandiru, que o lançou nas telas, completar 20 anos com uma restauração e uma sessão concorrida na Mostra de São Paulo.

E por mais que esteja, ele próprio, completando duas décadas de carreira no audiovisual, Graça vive pela primeira vez um protagonista, depois de conquistar o carinho do público com coadjuvantes em novelas como América (2005), como Feitosa, e Império (2014), como Xana Summer.

O ator, no entanto, faz uma pequena correção. Ele prefere o termo “pretagonista”, que vem usando para destacar não apenas a importância de ser ele sob os holofotes, mas de ser também um personagem negro a ganhar uma biografia envolta em expectativa.

“No Brasil a gente vive um apagamento de personagens negros. A gente ainda tem dificuldade de inseri-los na nossa dramaturgia, e falamos de um país com gente como Mario Gusmão, Grande Otelo, Léa Garcia. A construção do povo preto passa pela ancestralidade, para nós é importante cultuar quem veio antes de nós”, diz Graça, mencionando a importância de biografar essas figuras e também de tê-las interpretando qualquer tipo de personagem.

“O Mussum foi importante para isso. Antes teve o Grande Otelo, mas ele foi pioneiro. Ele já era famoso muito antes dos Trapalhões. Ele já tinha um poder financeiro, com o Originais do Samba. Essa cinebiografia vem para preencher uma lacuna importante.”

Ailton Graça, que interpreta Mussum nos cinemas
Ailton Graça (Mussum), Gero Camilo (Did), Felipe Rocha (Dedé) e Gustavo Nader (Zacarias)

Graça usou seu treinamento em circo, dança e música para regravar esquetes famosas da televisão nas cenas em que interpreta Mussum, o personagem.

Mas não é só à comédia que o longa se prende. São várias as facetas exploradas. De sua passagem pela Aeronáutica à carreira musical, que muitos não se lembram, mas veio antes e foi igualmente bem-sucedida.

Como membro dos Originais do Samba, Mussum lotava shows pelo Brasil. Tentou, por muito tempo, conciliar a carreira nas noites com os dias abarrotados de gravações –quando não para a TV, para o cinema, nas dezenas de filmes dos Trapalhões que até hoje se mantêm como recordistas de bilheteria nacional.

E foi assim que, para além do ofício e da veia cômica, encontrou um outro ponto de encontro com seu personagem. Muito mais passional. Assim como Mussum, Graça é apaixonado pelo Carnaval e desfila desde a infância. Já foi mestre-sala, passista e coreógrafo de agremiações como Gaviões da Fiel, Vai-Vai e Tom Maior, e hoje é presidente da Lavapés Pirata Negro, de São Paulo.

Sua torcida pela Mangueira, conta, nasceu ao ver Mussum com as cores da escola de samba. Foi uma das grandes paixões da vida do humorista, segundo o filme, que ambienta passagens importantes na quadra da agremiação.

Assim, Mussum, O Filmis evita as notas mais melancólicas das cinebiografias. O longa, conta a equipe, foi pensado para reviver a alegria que o humorista e músico emanava, seja numa esquete, numa roda de samba ou cercado pela família.

MUSSUM, O FILMIS

  • Quando: Estreia nesta quinta (2), nos cinemas
  • Classificação: 12 anos
  • Produção: Brasil, 2023
  • Direção: Silvio Guindane
*O repórter viajou a convite do Festival do Rio*

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